segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

A PACIÊNCIA NÃO SERVE PARA O OUTRO

A gente muitas vezes determina que não tem paciência para isso ou aquilo, para pessoas assim ou assado. Eu acredito ser muito válido sabermos discernir sobre o que cabe para nós ou não, mas há que se compreender que saber escolher o que nos cabe não significa necessariamente ser intolerante em relação ao que não nos cabe, afinal a paciência não é um favor que fazemos ao outro, e sim uma forma de desenvolver a capacidade de manter nosso próprio bem-estar diante de toda e qualquer situação.

Determinar que não teremos paciência diante disso ou daquilo é fazer inconscientemente um acordo limitante que só prejudicará a nós mesmos. É fazer o acordo de não aprender a lidar com determinadas situações, pessoas e aspectos da vida que são inevitáveis, pois a vida não nos dá somente aquilo que nos agrada e na hora em que desejamos; é fazer o acordo de que, diante daquilo que nos desagrada, entraremos em conflito – e o conflito, apesar de também ter o potencial de ser um gerador de crescimento, é antes de tudo uma fonte de sofrimento. Quando não cultivamos a paciência, não estamos prejudicando ninguém mais do que nós mesmos.

É preciso esclarecer que ter paciência não é sinônimo de ser conivente, que ter paciência não significa ser permissivo nem omisso. Que possamos desfazer o engano que nos leva a crer que paciência é sinônimo de conformismo. Paciência é sinônimo de impessoalidade em relação ao que é externo, de compreensão das coisas e pessoas como são ou estão, não de concordância e aceitação em relação a elas. É a postura de quem, não estando de acordo, se posiciona sem se deixar abalar pela revolta, pela incompreensão; de quem tem a tranquilidade interior necessária para compreender e a presença de espírito necessária para contornar ao invés de combater. A paciência não serve para o outro, não se cultiva para agradá-lo. A paciência é uma carta na manga para confortar, resguardar e guiar a nós mesmos.

Abençoados sejam!
Corvo Negro

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

O DESEJO E O IMPULSO

Quem na vida não se arrependeu de algo e disse (ou ao menos pensou) “fiz por impulso”? Na minha forma de ver, essas coisas que a gente faz sem medir direito não são feitas sob a força do impulso, mas sob a força do desejo. Existem algumas diferenças básicas e muito significativas entre um e outro.

Vejo o impulso como uma parte do instinto, a parte ativa do instinto. O impulso faz nossos instintos saírem da sensação para a ação. Não temos o instinto de comprar, não temos o instinto de ferir gratuitamente, não temos o instinto de comer em demasia, por exemplo. Temos o instinto de sobrevivência, e dele fazem parte o instinto sexual, o instinto alimentar, o instinto de segurança física, o instinto sexual e várias outras pequenas bifurcações. O instinto parte das vísceras, e o impulso, consequentemente, é visceral também. A gente pode, por impulso instintivo, tomar a atitude mais impensada e certeira da maneira mais socialmente inadequada, mas acredito eu que a causa é quase sempre justa – é questão de sobrevivência, de alguma forma.

Mas, naquelas coisas que não atendem aos instintos que qualquer outro animal possui, estamos falando de desejo. O desejo não é o impulso visceral, é a sedução mental – e por isso nossa mente muitas vezes não funciona bem diante dele: ela está seduzida, embriagada pelo desejo. Desejo de possuir, desejo de sentir, desejo de provar, qualquer desejo. Muitos dos desejos que nos tiram do comando de nossas ações sequer vem de dentro de nós, são elementos implantados em nossa mente pelos valores socioculturais, pela propaganda, pelos registros que fizemos ao longo da existência de toda a informação externa que recebemos, e durante a vida os alimentamos com o poder da fé, com nossas crenças, tornando-os altamente bem nutridos, muitas vezes mais do que nós mesmos, pois comumente é com a satisfação do desejo que tentamos saciar uma fome incessante e incômoda que carregamos de longa data...

Diante do desejo não existem causas e consequências, nossa atenção não consegue ficar ligada, existe apenas o objeto de desejo e nada do que e passa ao nosso redor ou dentro do nosso contexto é percebido, e depois de cedermos não sabemos ao certo o que fizemos e porque fizemos, muitas vezes nem como fizemos; diante dos impulsos e do instinto acontece o contrário, nossos sentidos estão alertas, inclusive para os aspectos sutis que envolvem a situação, e todo o conjunto de informação é levado em conta, mesmo que não possamos processar tudo isso ao mesmo tempo – ele não é equacionado pela lógica, mas é consciente, e depois do impulso sabemos o que fizemos e porque fizemos.

Daí vem o x da questão lá do começo: o desejo não tem causas e não mede consequências, mas o impulso sim, este tem causas e visa consequências. Quando agimos “por impulso”, independente de a forma como agimos não ter sido a melhor possível, não há arrependimento pois há uma causa, há uma razão, há um motivo. Quando somos seduzidos e embriagados pelo desejo, somente depois de o termos saciado é que descobrimos que o desejo é vazio, que não há causa para ele, apenas consequências.

Trouxe essa reflexão hoje para dizer que precisamos dos nossos impulsos, aqueles verdadeiros, que fazem o instinto agir e colocar as coisas no lugar, mesmo que depois a gente precise se retratar pela forma como o fez. Mas o desejo, esse precisa realmente ser domesticado. Não que a gente vá parar de desejar, mas com o tempo, quem sabe possamos parar de embriagar-nos com o desejo a ponto de ter uma ressaca de arrependimentos.

Abençoados sejam!
Corvo Negro