domingo, 26 de outubro de 2014

CICLO DA EXPERIÊNCIA


“o pequeno passarinho
abre as asas em seu ninho
mas só aprende a voar
ao cair e levantar
– e não para de tentar”

Inspiração, orientação, experimentação e avaliação é o cronograma básico do ciclo das experiências na vida humana. Primeiro, vem a vontade que inspira a ação; em seguida, as idéias que orientam a ação; depois experimentamos a ação de fato, e então avaliamos a ação observando suas etapas e seus resultados. Podemos nos comparar, nesta trajetória, a um passarinho que está sempre saindo do ovo: Esticamos as asas, percebemos que elas estão ali, sentimos o impulso de nossos próprios instintos, observamos o vôo dos pássaros adultos e nos sentimos inspirados a criar penas, fortalecer os músculos e tentar alçar vôo nós mesmos. Então, a mente criativa traz idéias para orientar a ação, inventa um caminho para chegar ao céu. Experimentamos este caminho, agimos. E, depois, é hora de avaliar o que fizemos. Este é um momento crucial. Não podemos nos prender apenas a uma das etapas deste processo – o fim, o resultado. A avaliação deve levar em consideração todo o processo, desde o momento inicial – deve levar em conta todas as ferramentas que possuíamos desde o começo, assim como a capacidade que tínhamos para manuseá-las naquele momento.


A inspiração, se existiu, veio de onde? Da sabedoria do seu coração ou de algum lugar fora de você? De sugestões, idéias, pensamentos, sentimentos, ou do sopro do seu espírito sábio?

A orientação que você seguiu realmente era condizente com o objetivo da inspiração? Houve espaço para você libertar o poder criativo da sua mente ou você seguiu uma receita já conhecida que o pensamento estava repetindo ao invés de ousar ser original (ser você mesmo)?

Na experimentação, você seguiu sua orientação à risca ou se entregou ao medo de ousar, pegando atalhos já experimentados por outras pessoas, ou mais semelhantes àquilo que parece seguro, ou desistindo no meio do caminho?

Depois de responder a estas perguntas, agora sim, posso olhar para o resultado que obtive e me perguntar: Estou satisfeito com o que fiz? Era este o lugar onde queria chegar? Consegui um resultado positivo para mim mesmo e para o ambiente ao meu redor com o meio de ação que escolhi? Era isto mesmo o que eu queria desde o início? Era isto o que meu coração me pedia?

Se fizermos estes questionamentos sobre os resultados sem levarmos em consideração todas as outras etapas e a resposta para eles for negativa, provavelmente passaremos muito tempo dentro do ovo da frustração, da culpa e do fracasso antes de reunirmos forças para quebrar novamente a casca e tentar alcançar o céu.

A primeira coisa que devemos aprender para transformar nossa vida é a ouvir a inspiração que vem do coração, trazida pela sabedoria do nosso espírito. A segunda coisa importante é aprender a sermos justos para conosco, não sermos complacentes demais nem críticos demais. Levarmos em conta tudo o que somos, tudo o que temos, refletir amplamente observando detalhes, para não deixarmos passar em branco nossas falhas e sermos capazes de aprender com a experimentação. Assim como também não devemos ser duros demais para não criarmos cascas que nos aprisionam no sofrimento, na angústia e na estagnação.

Precisamos nos observar a cada dia como passarinhos recém saídos do ovo, pois a cada dia recomeçamos um aprendizado que não tem fim. Se estamos concentrados no presente, sabemos que o dia de ontem já acabou e que não poderá ser consertado, remoído ou carregado para sempre em nossas costas. Ele precisa ser deixado para trás dando lugar às possibilidades que se abrem hoje.

Precisamos tomar consciência do nosso direito de experimentar, independente dos resultados. Como espíritos, somos sábios, mas como humanos, somos crianças em busca de crescimento e desenvolvimento. O passarinho dentro de nós só conseguirá chegar ao céu, à sua realização pessoal, ao estado de liberdade e sabedoria, se ele não desistir de tentar. Se não criar uma nova prisão, um novo “ovo” a cada vez que cair. Para isso, é preciso que estejamos dispostos a olhar para este passarinho com compaixão e para nossas cascas com dureza. Mas, na maioria das vezes, fazemos o contrário – somos duros para com o passarinho e complacentes para com a casca.


Por quê? Porque não é fácil fazer a mente parar de repetir, ela é teimosa e, quando se depara com algo que não saiu como gostaríamos, volta a repetir todas as centenas de críticas e acusações que gravou ao longo da nossa vida. Ela está sempre disposta a voltar à tona e cortar nossa conexão com a sabedoria do coração, e isso acontecerá muitas vezes antes de conseguirmos fazer com que ela cumpra seu papel. Assim como, às vezes, na hora de definirmos nossa orientação, ela tem preguiça de criar e acaba desenterrando alguma receita velha, gravada lá atrás no passado, e por fim nos conduz a uma experiência que não nos gratifica. A mente precisa ser educada dia após dia. A conexão com nossa voz interior precisa ser fortalecida dia após dia. A avaliação profunda do nosso ciclo de experiência precisa ser feita dia após dia. Assim como, dia após dia, precisamos quebrar a casca do ontem e receber a dádiva do hoje com as asas abertas. E, dia após dia, tomarmos posse da inspiração, criarmos nossa própria orientação, ousarmos a experimentação e realizarmos uma avaliação sincera e justa, que nos proporcione aprendizado, liberdade e motivação para prosseguir ou para tentar mais uma vez.

Ontem, bati as asas e caí no chão. Que pena! Voltei para o ninho, pensei e vi que poderia ter pulado bem alto antes, para tomar impulso (Só então eu percebi que todas as aves fazem isso, poxa! Que distração!). Fui me deitar, dormir, recuperar minhas forças, esquecer a decepção, superar a dor e, hoje, quem sabe consigo dar o impulso necessário para alcançar o céu, ou receber uma inspiração nova que venha a se somar à lição que tive ontem sobre o salto. Hoje é dia de começar do zero. A única coisa que trago de ontem é aquilo que aprendi com meus erros, a informação nova que me auxilia. A decepção de ter caído, a dor de bater no chão, agora fazem parte do passado. Não penso nisso, deixo minha mente vazia para ouvir a inspiração e para que novas idéias me dêem a orientação de que preciso.


Cure os ferimentos do passarinho que caiu ontem e olhe com gratidão para o céu do dia de hoje.

Abençoados Sejam!

terça-feira, 21 de outubro de 2014

AS DEUSAS SUJAS E A CURA ATRAVÉS DO PRAZER

Como qualquer mulher, as deusas envelhecem. Diante dos ciclos da Lua e dos ciclos das estações, seguindo a Roda do Ano, elas nascem, crescem, envelhecem. No inverno e na Lua Nova, estão reclusas em si mesmas, gestando-se, e são o Vazio. Na primavera e na Lua Crescente, florescem como jovens musas, são caçadoras, virgens guerreiras. No verão e na Lua Cheia, são iniciadas no mistério da Criação e da vida e tornam-se mães. No outono e na Lua Minguante, são iniciadas na sabedoria e na Morte, tornam-se anciãs. E neste momento de sua trajetória são chamadas de “Deusas Sujas”. Não porque sejam realmente sujas, mas pela concepção de que a malícia e a sabedoria são características negativas nas mulheres, e de que o prazer e a alegria são pecados e devem ser evitados, de que tudo o que remeta à liberdade e ao prazer é “sujo”.
Rejeitadas e condenadas ao subterrâneo, à vida eremita e selvagem, elas vêm curar através da malícia, da irreverência; elas ensinam a curar-se através do prazer. Quando estamos no fundo do poço, cegados pela escuridão de nossa própria mente, afogados pela nossa própria miséria, enterrados em nosso inferno particular, consumidos por nossa rotina física e mental mecânica, elas aparecem. São como uma luz sutil no fim de um longo túnel, uma suave brisa, um leve cutucão capaz de nos despertar se estivermos dispostos a parar nossa autocomiseração por um segundo e prestar atenção ao seu movimento, que de tão leve às vezes passa despercebido. Sua influência vem nos lembrar de quanto tudo é efêmero, vem acordar a criança interior de seu pesadelo, vem despertar a nossa capacidade de driblar a escuridão com uma simples, singela e altamente repolarizante risada. Sim, daquelas que fazem tremer a barriga, que fazem ecoar nossa voz pelas paredes do nosso submundo mental e emocional, capaz de quebrar a cadeia de supervalorização que o ego cria em torno de si mesmo – supervalorização dos problemas, supervalorização de si mesmo, supervalorização do sofrimento: um muro intransponível de drama que se interpõe entre nós e a realidade externa, onde a vida continua e as soluções passam sem que possamos ver. Por viverem no subterrâneo, as deusas sujas conseguem atravessá-lo por baixo. Por serem selvagens, não temem o que há do outro lado. Por serem velhas, possuem a sabedoria e têm a concessão dada aos velhos de extrapolar os limites sociais, de tocar o ponto-chave através de formas surpreendentes, inusitadas e inaceitáveis. E, com sua irreverência, com sua malícia, com sua desimportância, com sua liberdade, soltam em nossos ouvidos um sussurro jocoso, irônico, da piada mais suja que seja possível àquele momento. E, ao rirmos, ao darmos a gargalhada fatal, quebramos por um instante a cadeia do ego, onde tudo é escuro, seco e doloroso. É o presente de um milímetro cúbico de oportunidade para passar, numa fração de segundo, do extremo da auto-importância, do sofrimento e da escuridão ao extremo do abandono, do prazer e da liberdade.

Hoje, a ciência comprova que o riso verdadeiro, a gargalhada espontânea e vibrante, mexe com nossos neurotransmissores e altera nossa saúde mental e física. Nossos ancestrais sabiam disso intuitivamente: o riso cura, porque rir dá prazer mental, emocional e físico, e o prazer muda nossa predisposição de espírito, qualquer que seja o motivo da dor ou seu grau de intensidade. Numa época como a nossa, em que tudo é levado tão à sério, a ferro e fogo, desde as grandes questões práticas como religião e profissão até as mais simples coisas do cotidiano, rimos pouco e quase sempre damos um sorriso social, facial apenas, sem prazer, pois dada a seriedade da vida, nos acostumamos a fazer tudo sem prazer, por obrigação, com profunda deferência e sob muito peso e pressão. No fundo, é nosso ego que sorri para dizer que entendeu a piada – e fazemos poucas, rimos das piadas pré-fabricadas que são repetidas dúzias de vezes, quando na verdade o que precisamos é rir de nós mesmos, de nossa própria seriedade, de nossas próprias crenças, e rir com sinceridade, rir de nós, por nós e para nós, e não para as pessoas que nos cercam. As deusas sujas aparecem quando nossa seriedade se torna uma crença e um hábito determinante que nos aprisiona, e fazem piada da nossa dor, com tanta maestria, com tamanha audácia e tão profunda malícia, que tudo o que podemos fazer é rir, antes mesmo que o ego se ofenda. Mesmo porque, ao rirmos, ele imediatamente é retirado do comando. Elas, as portadoras do “obsceno sagrado”, fazem da palavra seu instrumento de poder, com o qual alteram o estado de consciência humano, pois “falam com o ventre”, no sentido de que sua sabedoria é uterina, ancestral e refinada, e permite que suas palavras brotem de seu mais profundo instinto sem serem medidas, são sentidas e pronunciadas e têm um grande poder curativo, pois nos conduzem a um estado primitivo de naturalidade – o relaxamento físico e psíquico.
Esse é um chamado para as mulheres, pois esta porção da feminilidade, a porção sábia, instintiva e “suja”, foi completamente enterrada pelas crenças do passado e está sendo decomposta pelos hábitos do presente, mas pode ser resgatada para a saúde do futuro. O resgate dos atributos femininos tem sido de grande valor para nosso tempo, e esta parcela em especial é de grande valor para o momento que o ser humano vive hoje, e para cada mulher individualmente age como uma ferramenta libertadora e aglutinadora de sua integridade. E é também um recado para os homens, pois estes também precisam tomar o remédio obsceno e divertido que a energia feminina guarda em seu aspecto mais selvagem e ancestral, e também mais censurado. Para isso, precisam abandonar os preconceitos e medos impostos por tanto tempo dentro de nossa cultura com relação à porção lasciva, selvagem e livre presente na mulher. Recebam ambos a inspiração das deusas sujas. Cada vez que alguém solta uma piada obscena, uma frase condenável, uma tirada vergonhosa ou um comentário “sujo” que traz à tona a gargalhada, as deusas sujas estão presentes, sussurrando nos ouvidos de quem percebe a sutileza e está aberto para a cura, soltando-lhes a língua antes que percebam. Respeitem-nas, são anciãs e têm idade para serem bisavós. Riam com elas, aprendam com elas, curem-se com elas. Mais do que isso, resgatem-nas. No outono e na Lua Nova, chamem-nas. Tirem-nas do subterrâneo e da vida eremita, tragam-nas para casa, deixem-nas falar com o ventre sobre a obsolescência do agora e sobre os ciclos que tornam tudo passageiro, sem importância e digno de um bom sarro.

Imagino que o título deste texto tenha feito parecer que estaríamos falando sobre assuntos sérios como Khundalini, sexo sagrado ou algo do gênero. É que elas me sopraram este título, e neste momento estão rindo da nossa falta de malícia para entender que o sexo não é sujo, e que o riso às vezes pode ser mais curativo do que qualquer ritual elaborado. Ouço o riso delas, riem de nós, riem da nossa falta de imaginação, riem do nosso mau humor, e riem porque não levamos o riso à sério.

Abençoados sejam!

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

ANTES DA CRÍTICA

Estava pensando com meus botões, observando as interações entre as pessoas de um panorama que me surgiu há um tempo atrás – o panorama das relações de acréscimo.

O que seriam relações de acréscimo? Bom, é um ideal que alimento e que creio que muitas pessoas também alimentam. São aquelas relações que, curtas ou longas, ocasionais ou reincidentes, sempre acrescentam algo a todas as partes envolvidas, somente beneficiam a cada uma delas, sem perdas e sem ressentimentos. Isso exige um alto nível de abertura do ser humano, que nós ainda não temos, ao menos não integralmente, mas que podemos exercitar e estender gradualmente. Somente a abertura pode nos trazer relações de acréscimo. Elas dependem de estarmos abertos a ouvir, abertos a refletir, abertos à aceitação do outro e do valor de sua experiência e sabedoria, da validade de seu ponto de vista, e abertos à doação. Quando todas estas aberturas estão funcionando, podemos viver relações de acréscimo em que o reconhecimento é a mola propulsora de todas as palavras, atitudes, predisposições. Reconhecimento do outro e de nós mesmos, que nos isola de nos ofendermos com o que quer que seja e de nos sentirmos motivados a ofender a quem quer que seja de qualquer forma que seja. Que nos coloca abertos para dar e receber acrescentando mutuamente.

Mas nossas relações hoje não são de acréscimo, são de disputa. Disputamos pela razão, pela superioridade, pelo valor, pela palavra final, pela verdade, pelo status. Isso nos põe fechados ao que vem de fora, pois nas relações de disputa, aceitar o que vem de fora significa diminuir o valor do que está dentro, dar a razão ao outro, perder, estar abaixo. A disputa não busca o acréscimo, muito menos mútuo, ela busca fazer o outro perder para que possamos ganhar. Grande ilusão, na verdade, pois o outro não perde nada com nosso fechamento, e nós também não ganhamos. Não ganhamos conhecimento, não ganhamos informação, não ganhamos satisfação, não ganhamos crescimento, harmonia. Não recebemos e não doamos. Estamos, em função da disputa, sempre predispostos à crítica, muito mais do que à compreensão. Criticar é diminuir o outro, é mostrar que ele não tem valor, é ganhar dele ao invés de receber dele. Antes de ouvir, antes de entender, antes de procurar o significado ou o valor, vem a crítica.


Numa relação de acréscimo também existe a crítica, mas ela visa acrescentar, não destruir. A crítica pode ser positiva quando ouvimos, recebemos, entendemos e mostramos pontos a serem revistos, trabalhados, fortalecidos; enfim, quando a crítica acrescenta mais informação, mais lucidez, mais valor a algo, quando ela não visa derrubar, diminuir, desacreditar, ofender ou ridicularizar. E a grande receita para que a crítica seja construtiva e não destrutiva é o que vem antes dela. Antes da crítica vem a abertura, vem o questionamento, vem a disposição para ouvir e entender. Então ela poderá vir a ser construtiva se soubermos também doar. Sem doação sincera, as palavras podem ser hostis. E, para haver doação sincera, voltamos à abertura, como num círculo vicioso...

Nas relações de disputa, estamos fechados e estamos buscando demonstrar superioridade para ganhar do oponente.  Isso cria uma postura de tirar conclusões sem fazer perguntas, pois fazer perguntas nos faz sentir em desvantagem, é como admitir que sabemos menos ou que não compreendemos totalmente algo, ou que nos faz falta uma explicação mais detalhada, e então estamos perdendo. Para não perder, fazemos críticas baseadas em conclusões tiradas a esmo, por interpretação pessoal. Nas relações de acréscimo, estamos abertos a ouvir, nos sentimos à vontade para fazer perguntas, pois admitimos que realmente não sabemos mais do que o outro sobre o que pertence exclusivamente a ele – suas idéias, seus sentimentos, seus conhecimentos, sua experiência. Perguntar é enriquecer nosso ponto de vista, é ganhar. Não ganhar do outro, mas ganhar para si mesmo. E fazemos críticas baseadas em informações concretas que formam nossa visão sobre aquilo que ouvimos, que é o que transmitimos no lugar da crítica depreciativa. Doamos um ponto de vista depois de receber o mesmo do outro, e ambos se acrescentam.


Antes da crítica, o que você faz? Antes da crítica, o que você sente? Antes da crítica, o que a traz à tona? Se antes da crítica você não faz perguntas, ou faz perguntas com a intenção de que a resposta sirva de ponto de partida para mais críticas, ou se sente impelido a depreciar e combater, ou lhe parece que seja necessário provar qualquer coisa que seja, pense um pouco. Pense um pouco sobre as relações de disputa e de acréscimo. Pense sobre qual delas lhe parece mais vantajosa e satisfatória. E, se lhe parecer mais feliz a opção das relações de acréscimo, da próxima vez, antes da crítica, tente abrir-se. Devagar e sempre, um pouco mais a cada vez. E a cada vez estará abrindo a porta do acréscimo dentro de cada um que passa por você. A trajetória de mudança começa com um passo e continua a cada passo a cada vez que optamos por dar um passo novamente.


Abençoados sejam!

terça-feira, 14 de outubro de 2014

MUITO PRAZER, MEU NOME É ARROGÂNCIA!

A palavra “arrogante” é quase moda, mais falada que qualquer letra de funk. Todo mundo chama todo mundo de arrogante, todo mundo diz que isso ou aquilo é arrogância. Mas o que é realmente a tal da arrogância? Algum de nós tem isso claro em mente?

Segundo o dicionário: Atitude altaneira; altivez; orgulho; insolência. Arrogância segundo o site significados.com.br: Arrogante é um adjetivo de dois gêneros que expressa uma característica negativa de um indivíduo que carece de humildade, que se sente superior a todos. Ser arrogante significa ser altivo, prepotente, ter a convicção que é expert em vários assuntos e, por isso, não ter interesse em ouvir outras opiniões. O arrogante é classificado como orgulhoso, soberbo, presunçoso e extremamente vaidoso.

Então, por que motivo, causa, razão ou circunstância, deveríamos rotular alguém como arrogante pelo simples fato de ter uma opinião própria ou de ser veemente em suas colocações? Afinal, cada um tem suas próprias crenças e sua própria experiência construindo os alicerces de sua lógica e de seus pontos de vista. Quer coisa mais arrogante do que menosprezar o que vem do outro só por ser diferente do que está em nós? Veja bem, na definição de arrogância ali em cima está escrito “não ter interesse em ouvir outras opiniões”. E acrescente-se a isso o julgar os outros por terem opiniões. Olhando bem, nestas situações os arrogantes somos nós... Que nos esquivamos de ouvir outras opiniões justificando nossa atitude de arrogância com a frase “você é arrogante”.

E na arrogância nossa de cada dia, quando acreditando firmemente que temos a receita mágica para a felicidade do mundo, impomos nosso ponto de vista como verdade dizendo aos outros como deveriam pensar, agir, viver? De novo olhando a definição acima, vemos que “ter a convicção que é expert em vários assuntos” desprezando o direito alheio a explorar seu próprio caminho é arrogância. Mas, ainda assim, quando o outro manifesta consciência de seu poder de decisão sobre si mesmo, o arrogante é ele. E nos esquivamos mais uma vez do aprendizado, da troca, da humildade, através da frase “você é arrogante”.


Nas duas situações, nos colocamos como alguém que não precisa ouvir, não tem mais o que aprender, sabe mais e é melhor. Observando que na mesma descrição vemos que a pessoa arrogante é “um indivíduo que carece de humildade”... Quem não está sendo humilde mesmo? Porque afinal de contas, não há alguém que saiba tudo, que entenda tudo, que explique tudo, que não tenha mais nada a aprender, ou há? Mesmo aqueles “grandes gurus” da humanidade nos recomendam que não paremos nunca de aprender, pois eles mesmos continuam a aprender, e quanto mais aprendem, mais percebem que carecem de aprendizado.

Nada mais arrogante do que dizer que o outro é arrogante porque não concorda conosco, porque não aceita fazer o que faríamos no lugar dele, porque não concorda em pensar com nossa cabeça – como se fôssemos donos da verdade e todos os que não concordam conosco estivessem automaticamente errados. Será arrogância apropriar-se do direito de pensar por si mesmo, tomar suas próprias decisões, fazer suas próprias escolhas, ser aquilo que deseja ser e caminhar por onde quer? Ou seria arrogância de verdade querer impor aos outros o que vale somente para nós?

Há também aquelas situações em que o arrogante é o outro porque este é espontâneo em suas emoções, manifestando seu descontentamento diante das nossas imposições, e nos intitulamos humildes porque somos arrogantes de fala mansa, educada, enfim, somos arrogantes de máscara, e enquanto os outros são passionais nós agimos friamente, na convicção de que atormentá-los demonstra nossa superioridade. Mais uma vez citando a descrição acima, o arrogante “se sente superior a todos”, não importando o quanto esteja agindo de forma cínica ou dissimulada. Ser capaz de ser arrogante com frieza e dissimulação não é ser menos arrogante, é?


Bom, mas o importante realmente nisso tudo é que o arrogante não aprende nada enquanto não aprender o que é realmente a arrogância e não aprender a enxergar que ela mora dentro dele. Pois, até lá, terá toda a onipotência, onipresença e onisciência morando em sua vaidade, em sua imaginação, e defendendo-se da abertura a qualquer coisa que não seja pensada por ele mesmo. Sim, defendendo-se! Porque, no fundo, tudo o que o arrogante precisa é acreditar no que diz, acreditar na grandiosidade que ele atribui a si mesmo pois, a despeito de sua grande vaidade, ele não sabe quem ele é, e quem não se conhece não se valoriza.

E, mais importante ainda, é que saibamos que existe um arrogante dentro de cada um, e que isto, definitivamente, nos tira o direito de repetir o refrão automático “você é arrogante”, pois o outro ser arrogante não é justificativa para nosso comportamento de arrogância.


Abençoados sejam!

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

AUTOESTIMA OU AUTO-IMPORTÂNCIA?

A perda da auto-importância (ou “importância pessoal”) é fundamental para a realização do ser humano, mas confunde-se muito auto-importância com autoestima, então me senti inspirada a escrever sobre as diferenças entre ambas. A autoestima é uma ferramenta para que a auto-importância se torne desnecessária dentro de nós. Ela é como uma alavanca que ajuda a desencrustar a auto-importância do solo da nossa mente.

Autoestima é a noção de nosso próprio valor, reconhecimento que chega através do autoconhecimento, quando conseguimos olhar para nós mesmos, identificar nossas ferramentas internas e nossas limitações, aceitar-nos como somos e reconhecer nossa capacidade como indivíduos, nossa participação em nosso meio, sentindo contentamento pela pessoa que nos tornamos, pelas experiências que temos, pelos dons que desenvolvemos, pelas características que apresentamos, e respeitando nossa individualidade e momento. A autoestima nos coloca como parte de um todo destacando e valorizando aquilo que é único em nós num sentido que se refere mais à utilidade do que à hierarquia, ou seja – ressaltando o que é ímpar em nosso ser como forma de brilhar e contribuir com nosso meio, não de estar acima ou abaixo de outros seres, pois compreendemos através da aceitação da exclusividade de nossa própria identidade que não existem comparativos, muito menos em relação a maior ou menor, superior e inferior (tais comparativos apenas demonstram inconsciência sobre si mesmo e problemas com a autovalorização, já que buscam nos outros a afirmação do que somos e não em nós mesmos). A autoestima nos ajuda a perceber o valor das outras pessoas em nossa vida sem que com isso estejamos nos desvalorizando. Ela nos leva a buscar nosso crescimento através do aprendizado e nos ajuda a criar relações saudáveis com as pessoas e com nosso meio, pois não temos que provar nem exigir, podemos interagir profundamente sem nos sentirmos ofendidos em nossa integridade e valor.

Auto-importância é o olhar hierárquico sobre nós mesmos, colocando acima ou abaixo; e tanto faz se é acima ou abaixo, a auto-importância sempre nos coloca como mais importantes do que todos, seja na posição de privilegiados acima ou de injustiçados abaixo, minando a autoestima e afastando-nos da consciência sobre nós, da responsabilidade sobre nossas vidas e da realização pessoal em qualquer aspecto.

Quando adotamos posturas arrogantes, vaidosas, orgulhosas, de donos da verdade, de superiores, de poderosos, imbatíveis, inatingíveis, ou qualquer outra em que estejamos nos protegendo de um olhar sincero sobre nós e sobre nosso contexto que nos traga o reconhecimento de nosso real valor, é porque a auto-importância está gerenciando nossa forma de viver. Quando adotamos posturas de autocomiseração, autodepreciação, vitimismo, submissão, ou qualquer outra em que estamos fugindo da responsabilidade de assumir quem realmente somos para ganhar privilégios, comodidades, benefícios ou atenção, é também porque a auto-importância está gerenciando nossa forma de viver.

Ao contrário da autoestima, que vem da consciência sobre si mesmo e promove a sensação de integração e contentamento, a auto-importância vem da inconsciência sobre si mesmo ou da covardia em assumir a si mesmo e promove a sensação de isolamento e descontentamento.


Quando a auto-importância se manifesta na hierarquia de superioridade, nos sentimos “especiais demais” para aprender com o outro, para sermos tratados com igualdade, para sermos contestados ou termos nossos caprichos negados. Somos “importantes demais” para reconhecer nossos erros e para aprender a fazer melhor. Para olharmos para nós mesmos e identificarmos aspectos que precisam de lapidação. Para concordar com alguém, para ganhar tal quantia, para não receber atenção especial, para ficar de fora de algo. Queremos tapete vermelho e trombetas, pois acreditamos que é o que merecemos.  Somos os “gurus” de uma humanidade inferior em que não nos encaixamos, pois ela não reconhece nossa supremacia. Constantemente nos sentimos ofendidos com as atitudes dos outros, com suas escolhas, com suas opiniões, pois acreditamos ser o centro do universo e tudo o que todos ao nosso redor pensam e fazem é visando a nós. Isso causa problemas em nossas relações, em nossa forma de nos conectarmos às demais pessoas que nos cercam, em nossa vida social e íntima, traz emoções destrutivas como acessos de orgulho e vaidade, autoritarismo e dificuldade de ouvir e, consequentemente, de aprender e evoluir.

Quando a auto-importância se manifesta na hierarquia de inferioridade, nos sentimos desamparados, fracos, impotentes, acreditamos que estamos sendo castigados, perseguidos, usurpados, humilhados, roubados, e acreditamos que o mundo, as pessoas, a sociedade, nos “deve” algo. Colocamo-nos na posição de quem deve exigir dos outros pois não temos, dentro de nós, os mesmos recursos que todos têm. Somos especiais porque nascemos “sem” e precisamos que as pessoas entendam e aceitem que somos “menos” e dependemos de que os outros se esforcem em nosso lugar, façam por nós, nos deem de bandeja; enfim, esmolamos ou cobramos, pois não queremos aceitar o que realmente somos – isso exigiria sair do cômodo, do confortável, daria trabalho, e merecemos não ter o trabalho que os outros têm para conseguir as vitórias que eles conseguem. Somos “especiais demais” para fazer esforço. Muitas vezes nos sentimos ofendidos com as pessoas porque elas estão nos ignorando, não fazem o que queremos, não pensam nos que nos interessa, não nos dão o suficiente – e elas nunca, jamais nos dão o suficiente, por isso estamos sempre descontentes, e estamos sempre responsabilizando as pessoas, Deus, nosso chefe, nossos pais, ou a sociedade pelos nossos fracassos. E, ao adotar o “coitadinho de mim”, o “eu não consigo”, o “dá tudo errado na minha vida”, o “sou um azarado”, estamos negando o autoconhecimento e a autoestima, negando a descoberta de nossas ferramentas internas e de nosso valor pessoal e social. Pois isso, claro, nos colocaria na posição de responsáveis por nossas escolhas e por nossa felicidade.

Não, auto-importância não é autoestima, ao contrário, está muito longe dela e nos distancia dela na mesma proporção. Não confunda aquilo que lhe mostra seu valor com aquilo que lhe tira seu valor.


Abençoados Sejam!

terça-feira, 7 de outubro de 2014

O MEDO DENTRO DO MEDO

Todos sentem medo, e cada um de nós tem uma forma de reagir diante do medo. Mas existem dois medos dentro de nós, o visível e o invisível.

O medo visível é aquele que se manifesta nas coisas externas: medo de altura, medo de barata, medo de dirigir. Mas este não é o medo real, é apenas o lugar onde descarregamos o medo real, que é o medo invisível, aquele que não demonstramos, que não colocamos em palavras, que muitas vezes não assumimos nem diante de nós mesmos: o medo do fracasso, da rejeição, do erro, da responsabilidade, da dor.

O medo visível funciona como uma ferramenta para a manutenção do medo invisível. Ele mantém o medo invisível oculto, pois nos permite descarregar suas tensões em outro lugar, e ao mesmo tempo nos chama a atenção para o fato de que existe algo dentro de nós que não estamos dispostos a encarar. O medo invisível faz com que o medo visível aconteça, e o medo visível facilita nossa postura de não lidar com o medo invisível, pois suas tensões são aliviadas ao direcionarmos para outro foco.

O medo visível torna-se um delimitador de experiências tão potente quanto o medo invisível. Ele limita nossa vida cotidiana de maneira clara, nitidamente perceptível, enquanto o medo invisível nos cerceia por dentro, silenciosamente, disfarçadamente.


Mas nada disso é irreversível. Podemos usar o medo visível como alavanca para a cura do medo invisível. Quando questionamos e confrontamos o medo visível (Afinal, o que pode contra mim uma simples barata? O que me aconteceria de tão trágico se eu caísse de uma cadeira? Por que cargas d’água o ato cotidiano de dirigir me intimida tanto?), podemos derrotá-lo,  tornando nossa mente mais forte, mais resistente para lidar com o medo invisível; o deixamos sem sua válvula de escape e sem sua máscara. Cedo ou tarde ele terá de se apresentar para nós exatamente como é. E poderemos também questioná-lo, confrontá-lo, derrotá-lo.

Os medos são cercas que colocamos em nossas vidas. Cercas que nos dizem até onde nossa experiência pode ir. Quando nascemos, possuímos infinitas possibilidades para experimentar, para escolher, e através das programações de medo cercamos um espaço que cria a ilusão de segurança, de invulnerabilidade, onde aquilo que tememos não pode entrar e nós também não podemos sair. Mas o medo é só uma idéia – uma idéia fixa em que acreditamos, é nossa imaginação e criatividade estagnadas e direcionadas para a tragédia, contando uma história de terror que só acontece em nossa mente. Através do medo estamos, na verdade, profetizando o desfecho que não queremos para algo que não vamos tentar em função da nossa imaginação. Mas nada disso é real, está acontecendo apenas na nossa imaginação, assim como a ameaça da barata.

Então porque não confrontar esses pensamentos que, no fundo, sabemos que são mentiras? Porque não curar nossos medos e voltar a ter infinitas possibilidades de vida, experiência e sucesso?

Estamos aqui para viver intensamente. INTENSAMENTE!


Abençoados sejam!

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A FORÇA COTRÁRIA

A Física diz que toda ação provoca uma reação inversamente proporcional. O Budismo de Nitiren Daishonin chama essa reação de “força contrária”. A força contrária não é um elemento do mal, que tenha questões pessoais em relação a nós, mas sim um elemento natural, assim como a inércia, que faz com que a gente penda para trás quando o ônibus parte para a frente. Ela faz parte do movimento. É impossível para qualquer criatura iniciar um movimento sem deparar-se com a força contrária. Nada pessoal. Ela apenas existe.

Como um elemento natural em nosso caminho, com o qual temos de lidar, a força contrária tem muito a nos ensinar sobre nós mesmos. Deparamo-nos com ela contrapondo-se justamente ao início de um movimento. E é no início que podemos nos observar e decidir superar nossos limites ou não. A experiência de subir as montanhas me deu um ótimo exemplo de como aproveitar a força contrária a nosso favor, transformando-a em uma professora para o autoconhecimento e reveladora de potenciais.

Quando saímos da inércia, da rotina, e colocamos nosso corpo em movimento para buscar o topo de uma montanha, os primeiros 30 minutos de caminhada são os piores. Nosso corpo não está acostumado a fazer aquela força, a utilizar aquela quantidade de energia, nossas juntas estão duras, nossa musculatura está mole, nossa circulação sanguínea está frouxa – nosso organismo como um todo está condicionado ao mínimo esforço que fazemos no cotidiano e leva mais ou menos 30 minutos para que ele aceite o fato de que vai ter que fazer mais e melhor do que isso, pois hoje o estamos colocando em movimento, num novo movimento que pede o máximo que ele possa dar. Então vem a dor, a exaustão precoce, as câimbras, a falta de ar. Vem a vontade de parar, sentar e dizer “não consigo”. Eis a força contrária contrapondo-se ao nosso movimento. Neste momento nos conhecemos melhor.



Há quem realmente pare ali e diga “não consigo”, acatando a força contrária e mantendo-se na zona de conforto para não superar seus limites, para não fazer esforço, para não desbravar a si mesmo. E ainda assim está desbravando a si mesmo, pois está travando contato com seu conformismo, com sua preguiça, com seu autoboicote, mesmo que inconscientemente, mesmo que encarando isso como uma limitação factual e não como uma limitação auto-imposta. E a força contrária já está atuando como professora. Nesse caso, ela não poderá tornar-se uma reveladora de potenciais, pois estamos cedendo a ela ao invés de aceitá-la como um estágio do movimento, mas já cumpriu com metade do seu poder de ensinar.

Mas há também quem esteja decidido a ir até o fim, e ao sentir o impacto da força contrária, perceba que a única coisa necessária é continuar, pois o corpo terá de ser capaz de acostumar-se àquele movimento, afinal muitos outros corpos já subiram aquela mesma montanha até o topo e o cansaço não os matou (porque cansaço não mata mesmo...). Nesse caso, o contato com a preguiça, o conformismo e o autoboicote se dão em forma de consciência, não de entrega. E a consciência traz o desejo da superação. E o desejo da superação traz à tona a força que estava guardada dentro de nós, que nos impulsiona a ir adiante, a continuar em movimento até que o corpo desperte, que a dor passe, que a circulação se estabilize, que os pulmões se abram. E descobrimos que isso realmente acontece ao mesmo tempo em que descobrimos que todas as nossas crenças a respeito dos nossos limites eram apenas apego à zona de conforto, porque podemos ir muito além, somos muito mais capazes do que acreditávamos. E é aí que a força contrária revela nosso potencial adormecido.

Assim como na subida de uma montanha, na vida cotidiana também encontramos a força contrária contrapondo-se a todos os tipos de movimento que iniciamos, sejam físicos, intelectuais ou emocionais. Mas, ao invés de ficarmos ofendidos com ela ou cedermos ao seu contato transformando-a numa sentença de fracasso, podemos dar um outro tipo de atenção a ela, observando aquilo que ela causa em nós, observando a nós mesmos diante dela, observando e aprendendo. Sem que houvesse a ação da força contrária, qualquer coisa que fazemos teria menos poder, pois poderia passar em branco a conscientização sobre quem somos, como agimos, como pensamos, como encaramos a nós mesmos e à vida. Que venha a força contrária, que possamos agradecer à sua presença em nossa caminhada! Mas que saibamos, desde antes deste contato, que é preciso atravessá-la para compreender a dádiva que ela é capaz de proporcionar.


Abençoados sejam!