segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

A PACIÊNCIA NÃO SERVE PARA O OUTRO

A gente muitas vezes determina que não tem paciência para isso ou aquilo, para pessoas assim ou assado. Eu acredito ser muito válido sabermos discernir sobre o que cabe para nós ou não, mas há que se compreender que saber escolher o que nos cabe não significa necessariamente ser intolerante em relação ao que não nos cabe, afinal a paciência não é um favor que fazemos ao outro, e sim uma forma de desenvolver a capacidade de manter nosso próprio bem-estar diante de toda e qualquer situação.

Determinar que não teremos paciência diante disso ou daquilo é fazer inconscientemente um acordo limitante que só prejudicará a nós mesmos. É fazer o acordo de não aprender a lidar com determinadas situações, pessoas e aspectos da vida que são inevitáveis, pois a vida não nos dá somente aquilo que nos agrada e na hora em que desejamos; é fazer o acordo de que, diante daquilo que nos desagrada, entraremos em conflito – e o conflito, apesar de também ter o potencial de ser um gerador de crescimento, é antes de tudo uma fonte de sofrimento. Quando não cultivamos a paciência, não estamos prejudicando ninguém mais do que nós mesmos.

É preciso esclarecer que ter paciência não é sinônimo de ser conivente, que ter paciência não significa ser permissivo nem omisso. Que possamos desfazer o engano que nos leva a crer que paciência é sinônimo de conformismo. Paciência é sinônimo de impessoalidade em relação ao que é externo, de compreensão das coisas e pessoas como são ou estão, não de concordância e aceitação em relação a elas. É a postura de quem, não estando de acordo, se posiciona sem se deixar abalar pela revolta, pela incompreensão; de quem tem a tranquilidade interior necessária para compreender e a presença de espírito necessária para contornar ao invés de combater. A paciência não serve para o outro, não se cultiva para agradá-lo. A paciência é uma carta na manga para confortar, resguardar e guiar a nós mesmos.

Abençoados sejam!
Corvo Negro

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

O DESEJO E O IMPULSO

Quem na vida não se arrependeu de algo e disse (ou ao menos pensou) “fiz por impulso”? Na minha forma de ver, essas coisas que a gente faz sem medir direito não são feitas sob a força do impulso, mas sob a força do desejo. Existem algumas diferenças básicas e muito significativas entre um e outro.

Vejo o impulso como uma parte do instinto, a parte ativa do instinto. O impulso faz nossos instintos saírem da sensação para a ação. Não temos o instinto de comprar, não temos o instinto de ferir gratuitamente, não temos o instinto de comer em demasia, por exemplo. Temos o instinto de sobrevivência, e dele fazem parte o instinto sexual, o instinto alimentar, o instinto de segurança física, o instinto sexual e várias outras pequenas bifurcações. O instinto parte das vísceras, e o impulso, consequentemente, é visceral também. A gente pode, por impulso instintivo, tomar a atitude mais impensada e certeira da maneira mais socialmente inadequada, mas acredito eu que a causa é quase sempre justa – é questão de sobrevivência, de alguma forma.

Mas, naquelas coisas que não atendem aos instintos que qualquer outro animal possui, estamos falando de desejo. O desejo não é o impulso visceral, é a sedução mental – e por isso nossa mente muitas vezes não funciona bem diante dele: ela está seduzida, embriagada pelo desejo. Desejo de possuir, desejo de sentir, desejo de provar, qualquer desejo. Muitos dos desejos que nos tiram do comando de nossas ações sequer vem de dentro de nós, são elementos implantados em nossa mente pelos valores socioculturais, pela propaganda, pelos registros que fizemos ao longo da existência de toda a informação externa que recebemos, e durante a vida os alimentamos com o poder da fé, com nossas crenças, tornando-os altamente bem nutridos, muitas vezes mais do que nós mesmos, pois comumente é com a satisfação do desejo que tentamos saciar uma fome incessante e incômoda que carregamos de longa data...

Diante do desejo não existem causas e consequências, nossa atenção não consegue ficar ligada, existe apenas o objeto de desejo e nada do que e passa ao nosso redor ou dentro do nosso contexto é percebido, e depois de cedermos não sabemos ao certo o que fizemos e porque fizemos, muitas vezes nem como fizemos; diante dos impulsos e do instinto acontece o contrário, nossos sentidos estão alertas, inclusive para os aspectos sutis que envolvem a situação, e todo o conjunto de informação é levado em conta, mesmo que não possamos processar tudo isso ao mesmo tempo – ele não é equacionado pela lógica, mas é consciente, e depois do impulso sabemos o que fizemos e porque fizemos.

Daí vem o x da questão lá do começo: o desejo não tem causas e não mede consequências, mas o impulso sim, este tem causas e visa consequências. Quando agimos “por impulso”, independente de a forma como agimos não ter sido a melhor possível, não há arrependimento pois há uma causa, há uma razão, há um motivo. Quando somos seduzidos e embriagados pelo desejo, somente depois de o termos saciado é que descobrimos que o desejo é vazio, que não há causa para ele, apenas consequências.

Trouxe essa reflexão hoje para dizer que precisamos dos nossos impulsos, aqueles verdadeiros, que fazem o instinto agir e colocar as coisas no lugar, mesmo que depois a gente precise se retratar pela forma como o fez. Mas o desejo, esse precisa realmente ser domesticado. Não que a gente vá parar de desejar, mas com o tempo, quem sabe possamos parar de embriagar-nos com o desejo a ponto de ter uma ressaca de arrependimentos.

Abençoados sejam!
Corvo Negro

sábado, 29 de novembro de 2014

ORIENTAÇÃO 2015 - CARTAS XAMÂNICAS



Quer que 2015 traga o seu melhor? Veja como mudar!

Mais uma vez encerro o ano com um período de consultas de Cartas Xamânicas à distância para o ano que vai chegar.

A gente sempre quer que algo mude, e mudanças embora sejam simples não são coisas fáceis. Elas necessariamente começam tocando lá dentro da gente, e depois vão tocando aos poucos a parte de fora. Por isso penso neste baralho como especial. Por ele tocar o ponto certo no interior, clareando a mente e incentivando o movimento de mudança. Na leitura com as Cartas Xamânicas, isso é expressado através da energia dos animais, o que traz uma certa facilidade pois podemos, através da sintonia e conexão com estes animais (e eles sempre nos respondem!), ter o respaldo de sua presença e do seu contato como inspiração e fonte de força e conhecimento.

As Cartas Xamânicas são um instrumento de impulso para a autocura e transformação pessoal. Através da mensagem da medicina dos animais, elas nos mostram como mudar a vida através da mudança da nossa forma de lidar com ela, despertando dons, abrindo mão de barreiras e buscando na experiência a força da transformação.

A leitura de orientação para 2015 visa mostrar como podemos crescer e fazer crescer aquilo que desejamos através da consciência e da conexão com as energias dos animais. Nela consta:

- Animal Guia do ano de 2015
Qual a medicina animal que irá lhe acompanhar neste ano para que o crescimento pessoal possa abrir seus caminhos em todas as áreas através do seu desenvolvimento.

- Momento de vida
Qual o ciclo de aprendizado que você está encerrando, qual o ciclo que deverá iniciar e como atravessar o período de transição entre eles.

- Energias de cura para os 4 trimestres
Quais são as etapas de crescimento e desenvolvimento, de autoconhecimento e autotransformação para as quais você deve estar atento ao longo do ano e como aproveitar as energias destes ciclos.

Vagas Limitadas
Informações e reservas inbox: www.facebook.com/corvo.negroS2
Ou pelo e-mail: pressagio.magico@gmail.com


P.S.: As leituras são entregues em arquivo de texto para que você guarde e acompanhe ao longo do ano, no prazo de 2 dias.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

O AVESSO

É verdade, tem aqueles dias em que parece que era melhor não ter saído da cama; tem aquelas pessoas com quem o diálogo não funciona; tem aquelas situações em que a melhor coisa a se fazer parece ser a coisa “errada”. Tem momentos em que a gentileza gera abuso, o sorriso é recebido com rudeza, o respeito não é mútuo, o amor é retribuído com veneno.  A gente se sente num mundo torto e por um minuto pensa que o avesso é o direito.

O avesso é essencial. O avesso faz parte da realidade e é necessário que ele exista para que exista o desafio, e o desafio leve à superação, e a superação leve ao autoconhecimento, e o autoconhecimento leve ao desenvolvimento dos nossos potenciais, e o desenvolvimento leve ao crescimento pessoal. Infelizmente, não são as situações confortáveis e as coisas com as quais já sabemos lidar que nos darão essa oportunidade.

Precisamos encarar o avesso até mesmo para conhecer o nosso próprio avesso, aquela parte escondida que não está aparente nas horas felizes. É preciso conhecer nossas emoções e a forma como elas nos afetam, é preciso reconhecer aquele ponto em nós que reage diante do avesso despertando o que fizemos adormecer e nos demos ao luxo de esquecer ou acreditar que já não existia.  É preciso lembrar que ainda somos humanos e não estamos nem jamais estaremos imunes à dor, à raiva, à indignação, à exasperação, e tomar conhecimento de que estes elementos vivem em nós; tomar conhecimento da importância que essas emoções têm para nós, do que elas são capazes de fazer conosco, do que somos capazes de fazer com elas.

O avesso e o direito se revezam na dança da vida, sempre se alternarão. E sempre causarão um eco dentro de nós. E a cada avesso que vem de fora nos tornamos mais conscientes do avesso que está lá dentro. E é por isso que o avesso sempre aparece. Ele passa, como tudo passa, mas suas lições não passam. Ficam registradas no avesso e no direito de cada um. Lidar com o avesso que vem de fora é uma oportunidade, lidar com o avesso que vem de dentro é um desafio; e uma oportunidade, um desafio, pede que coloquemos mais de nós mesmos à disposição da vida. Pede que transformemos o avesso, cada vez mais, de porção negligenciada em carta reservada na manga.


Abençoados sejam!

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

SAIR DE CENA

Gostarmos ou não gostarmos de uma pessoa, ou da sua forma de se expressar, ou não concordarmos com suas ideias, ou não aprovarmos seu jeito de ser, não significa que ela seja “ruim” ou esteja errada, significa apenas que, para os nossos gostos e crenças pessoais, algo ali não serve. E gosto é pessoal, cada um tem o seu, assim como crenças. Ora, que coisa mais óbvia!

É fácil observar quando uma pessoa diverge do gosto pessoal de outra. Geralmente ela é alvo de um bombardeio. Chovem críticas explícitas ou sutis, na tentativa de convencer o mundo de que aquilo é ruim ou está errado, na tentativa de angariar seguidores para um exército de combatentes daquele que não agrada. Às vezes funciona, às vezes não. Independente disso, é questionável este comportamento, do ponto de vista da ética e do sob a ótica do que é humanidade. No caso da política, bom, aí é compreensível, existe realmente uma disputa e o jogo de poder começa antes do poder entrar no tabuleiro... Mas nas relações sociais, eu considero questionáveis as pessoas que agem desta forma. Pra não dizer problemáticas...

É claro que todos têm o direito de expressar o seu “gosto disso” e “não gosto disso”. Até aí, tudo está normal; nada nem ninguém jamais poderá agradar a gregos e baianos. Estranho seria se ninguém desagradasse ninguém.

Mas, quando algo que desagrada se torna motivo de maledicência, julgamentos, calúnias e alvo de um combate que visa destruir, ofender, excluir ou difamar, então caímos numa grande armadilha, em que a noção de ética nos abandonou e foi substituída pela vaidade, uma vaidade tão grande que nos cega para o fato de que somos nós que estamos agindo mal, somos nós que estamos fazendo o papel de vilões, e não aqueles que combatemos, quer conquistemos seguidores em nossa empreitada, quer não. Isso, diga-se de passagem, é patológico: descarregar sobre alguém coisas que são nossa com objetivo de destruir. Sim, porque gosto, como disse antes, é pessoal; o gosto é nosso e os outros não tem nada a ver com isso.

Olhando pelo prisma do que é o humano, o humano é infinitamente múltiplo e variável, e sempre haverão aqueles extremamente familiares com quem nos sentimos em casa e aqueles extremamente diferentes que causarão choque. E cada um deles tem direito a seu próprio espaço; nenhum deles está certo ou errado simplesmente porque nos agrada ou desagrada. Afinal, somos o centro do universo? Somos os donos da verdade? Somos um modelo do que é ser “bom”? Deste ponto de partida, nada mais arrogante do que acreditar que deve “consertar” os outros, e que se não puder “consertar” deve destruir... Este é o ego dos egos!

Pra mim, o ponto de equilíbrio é quando você, ao “desgostar”, sai de cena sem cair na armadilha da vaidade, sem deixar-se ludibriar pela arrogância. Você simplesmente admite para si mesmo que não gosta, que aquilo não lhe serve, dá as costas e vai... Seguindo seu caminho, sem nem lembrar daquilo que ficou pra trás e fora dele... Sem tentar encontrar uma forma de combater ou destruir porque não gosta, sem tentar acusar porque não te agrada. Bom mesmo, certo mesmo, bonito mesmo, é se assumir.

Abençoados Sejam!

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

HUMANIDADE

Nesta semana recebi o presente de uma grande inspiração. Sabe aquele sentimento que você tem sobre uma idéia que não consegue definir com palavras? Pois é, me chegaram as palavras, prontas, para a mesma idéia, embora com um sentimento diferente transbordando delas. São estas as palavras:

"Você não tem que se sentir 'ok' o tempo todo. 
Você não tem que estar sem escudos o tempo todo.
 
Você é maior do que isso, não é tão limitado.
 
Não existe um 'sou sempre assim' para você.
 
Você tem espaço tanto para o ‘está bem!’ quanto para o ‘não está bem!’ - para a aceitação ou para a resistência.
 
Você não precisa de qualquer rótulo afixado e imutável de si mesmo.
 
Você não precisa ser o guru iluminado ou o guerreiro espiritual.
 
Você não precisa ser o único tranquilo, o desperto, o forte, o altamente evoluído, aquele imune ao sofrimento.
 
Isso tudo são limitações na sua natureza.
 
Basta ser o que você é, não ‘isto’ ou ‘aquilo’, mas O Uno, o espaço para tudo isso e muito mais, tal como surge.
Deixe a vida chutar você de cima do seu pedestal e derrubá-lo tanto quanto for necessário, até que você perca todo o interesse de estar em pedestais."
Jeff Foster



É isso... Eu descreveria isso de outra maneira, mas não seria a mesma descrição; talvez não fosse tão precisa, talvez não fosse tão suave, mas seria igualmente humana. Porque no fundo, isso trata da humanidade em si. E o que é a humanidade senão o conjunto de diversidades e intensidades que existe em cada um dos seres humanos? Quer algo mais humano do que dizer a mesma coisa de forma tão diferente do outro que parece que estamos falando de outro assunto ou em outra língua?

Esse modelo que apreendemos, em que se deve estar sempre calmo, ser sempre sensato, não sentir raiva ou tristeza, não manifestar aquilo que desagrada, estar com a razão o tempo todo, dizer sim sempre, conformar-se, anular os instintos, reagir a tudo com sorrisos, é o modelo da omissão à humanidade que nos habita, que é o que somos. É o antinaturalismo plástico de um molde inerte, é a rejeição à própria vida (e de nós mesmos).

Pelo quê nascemos, para o quê nascemos, senão para experimentar a humanidade? Rir, chorar, abraçar, xingar, amar, se enfurecer, aceitar, recusar, acertar em cheio e errar bem feio, e deixar tudo isso passar por nós sem que haja tempo para gerar rótulos, mas havendo tempo suficiente para gerar experiência – isso é viver. Soltar a vida que pulsa presa dentro de nós e deixá-la pulsar livremente.



Que me perdoem os que se acham “certinhos”, que me perdoem os que acreditam que são “bonzinhos”, que me perdoem aqueles que acham que a vida foi criada para ser negada e que o ser humano foi trazido a ela para rejeitá-la; que me perdoem os que defendem que há um “modelo padrão correto” em que todo mundo deveria se encaixar na hora de sentir, pensar, fazer. Ou que não me perdoem se não quiserem. Eu não estou aqui para acompanhá-los, para acatá-los, para agradá-los. Eu gosto mais dos erradinhos, pois estou aqui para encontrar, manifestar e expandir minha própria integridade, com toda a minha intensidade, em todas as versões de mim. Eu sou livre! EU SOU! E quem é você?

Abençoados sejam!

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

UMA PAUSA

Estamos expostos a uma quase infinita quantidade de informação. Ela vem das propagandas, das conversas em que recebemos opiniões, dos noticiários, dos próprios lugares onde permanecemos. Tudo e todos à nossa volta nos diz algo. Fora isso, temos as nossas lembranças, nossas preocupações, nossas idéias, nossos problemas cotidianos. Tudo isso também nos diz algo. 

De maneira geral, estamos recebendo o tempo todo uma imensa gama de informações objetivas e subjetivas que nos dizem como pensar, o que querer, quem somos ou não somos. Ouvimos tudo isso e vamos para muitos lados, puxados por várias cordas como num cabo-de-guerra de inúmeros times. E não há tempo ou espaço para ouvirmos a nós mesmos. 


O que queremos? Do que gostamos ou não gostamos? Como percebemos as coisas sem esse guia externo a nos apontar direções o tempo todo? Do que precisamos? O que sonhamos? Como nos sentimos realmente?

É preciso dar uma pausa de quando em quando. É preciso deixar cessar esse fluxo de informações, sair do centro do cabo-de-guerra e encontrar um lugar seguro para mantermos contato com nosso próprio interior. É muito perigoso perder esse contato. Isso é esquecer quem somos, qual nosso caminho, é esquecer de nós mesmos e nos tornar marionetes de tudo o que vem de fora. E precisamos nos lembrar de nossa própria naturalidade essencial em meio ao turbilhão de vozes com informações e apontamentos, pois a única voz que nos leva àquilo que verdadeiramente nos realiza é a voz do nosso coração. Ninguém mais conhece nosso eu tão profundamente a ponto de definir o que é melhor para nós, quem somos ou o que devemos fazer. 

Uma pausa pode operar milagres. E, se for uma pausa a cada ano, depois uma a cada semestre, depois uma a cada estação, a cada mês, a cada semana, uma por dia, milagres podem acontecer sucessivamente por tempo indeterminado.

Uma pausa pode durar uma semana, um dia, uma hora, um minuto. Não importa muito quanto tempo, qualquer tempo disponível vale a pena se nesse tempo for possível ouvir a voz, ou sentir a voz, ou ao menos lembrar da voz. Desentupir nossa mente e voltar ao ponto de origem em que tudo o que havia era essa voz – um segundo disso basta. É o suficiente para que possamos reconhecer se estamos mesmo em nosso próprio caminho, se isso que estamos manifestando é o que somos mesmo, se tudo o que tem girado em nossa mente condiz com o que pensamos, se o que estamos cultivando é mesmo aquilo que queremos colher. E, tão importante quanto tudo isso, uma pausa nos traz de volta ao nosso centro, aquele lugar distante do mundo exterior que, apesar de ser distante, transita por ele. E o distanciamento nos dá a oportunidade de continuar a receber essa grande quantidade de informação peneirando com discernimento, observando sem sermos arrastados, mantendo a paz interior e a consciência de que todo esse tumulto acontece lá fora. Aqui dentro, estamos em paz. Aqui dentro, nada disso nos pertence e não pertencemos a nada disso. Apenas continuamos seguindo o caminho... O caminho do coração.
Abençoados sejam!

SEMPRE A MESMA PESSOA

Mudamos ao longo da vida, muitas vezes, de muitas formas. Isso é porque estamos sempre aprendendo coisas novas, crescendo, nos tornando cada vez mais parecidos com quem realmente somos. 

Quando mudamos, causamos um momento de surpresa, às vezes de desconforto em quem nos acompanha, diante da necessidade das pessoas se adaptarem às nossas mudanças. Isso dura o tempo necessário para que percebam que somos a mesma pessoa essencialmente, e o que muda é apenas a forma externa de manifestar nossa essência e a proporção em que conseguimos manifestá-la. Alguns compreendem, estão afinizados com o nosso ser, amam aquilo que somos e não nossa casca externa. Compreendem que as mudanças eram necessárias quando percebem que estamos caminhando mais felizes ao seu lado. Outros se afastam, acostumados ao conforto daquilo que existia do lado de fora, sem se aprofundar muito no que existia do lado de dentro, ou porque seu próprio estágio de desenvolvimento não pode acompanhar o nosso, ou simplesmente porque eram necessárias ao momento de transição pelo qual já passamos.

Mas as pessoas mudam, todos mudam, faz parte da vida. Exigir de alguém que nunca mude, seja o outro ou seja você mesmo, é exigir que jamais aprenda algo novo, é exigir que jamais obtenha crescimento, é exigir que se conforme com a estagnação, que desperdice o valioso tempo de uma vida. É justo? É justo que, para agradar a desejos egoístas, para não sair da rotina, para não surpreender ninguém, para não imprimir movimento à própria existência, alguém esteja condenado a manter-se sempre no mesmo patamar de existência, sem experimentar as fortes turbulências que desenterram nossos potenciais e as grandes percepções que nos transformam?



Ser "sempre a mesma pessoa" significa estacionar no conhecimento sobre si mesmo, no desbravamento de potenciais guardados e de possibilidades da vida, no aumento da sabedoria, no amadurecimento do nosso olhar, no estabelecer do nosso posicionamento diante do mundo em que vivemos e de nós mesmos.

Querer que o outro seja "sempre a mesma pessoa" é exigir que ele exista em função daquilo que nos agrada, é rotulá-lo e desejar que ele atenda sempre ao rótulo que estabelecemos para ele. E é também uma forma de atrapalhar seu caminho, puxando-o de volta para o passado ao invés de permitir que ele construa e explore seu presente e seu futuro. Quem está de olhos e coração aberto para nós percebe nossas mudanças, respeita-as, aceita e cresce junto.

Cada um de nós, a seu modo, deseja, anseia por mudanças em sua vida. Cada um de nós tem seu ritmo e sua direção na busca por elas. Cada um de nós se transforma de uma maneira diferente diante das experiências. isso é o que nos torna únicos. Observar, compreender e assimilar as mudanças que acontecem às pessoas ao nosso redor é também uma forma de aprendermos coisas novas, crescermos juntos, entendermos os fluxos da própria existência humana. É motivo de profunda reverência e gratidão sermos espectadores do espetáculo da transformação de um ser amado.

Abençoados Sejam!

domingo, 2 de novembro de 2014

E OS INCOMODADOS QUE SE MUDEM...

Tem gente que causa incômodo mesmo. Alguns por serem confiantes demais, outros por serem intocáveis demais, uns por serem senhores de si demais, e alguns ainda por se destacarem demais. A verdade é que as pessoas que são elas mesmas, que têm coragem o suficiente para isso e não se importam muito com a opinião alheia nem se dobram à voz dos outros incomodam muito. Principalmente àqueles que precisam provar alguma coisa.

Tudo isso me lembra uma frase, de uma pessoa chamada Valda Novachi: "Há pessoas que começam adorando a gente, depois querem ser a gente, depois acham que são muito melhores que a gente, e depois, muito depois, só por ultimo acham que devemos ser combatidas por não conseguirem ser como a gente." É esse o incômodo. Eis o único incômodo...

Pois não é que os incomodados realmente precisam combater, denegrindo, julgando, condenando, rotulando ou excluindo, para provar que são muito melhores do que nós? Doce ilusão.

O incômodo é sair de seu eixo, desfocar a atenção de si mesmo e passar a despejar a energia mental e emocional sobre o outro, sobre quem está centrado em si mesmo, focado em seu próprio eixo e trilhando seu próprio caminho. Resumidamente, as pessoas que incomodam estão onde deveriam estar e são o que deveriam ser, fazem o que deveriam estar fazendo. Os incomodados é que não. 

Como pode alguém que se desequilibra totalmente em função da simples existência do outro, adotando muitas vezes comportamentos antiéticos, infantis e arrogantes sob a desculpa das boas intenções, achar que está em melhor posição do que aquele que prima pelo seu próprio equilíbrio seguindo seu próprio caminho (seja ele qual for)? Como pode alguém acreditar que sentir-se incomodado pela existência do outro ou por sua forma peculiar de existir caracteriza um problema no outro? Isso é enganar a si mesmo. É não admitir que quem realmente precisa de uma mudança é o incomodado, pois ele precisa se mudar para dentro de si mesmo para mudar sua postura diante de si e do outro. Para reconhecer-se e poder parar de espelhar-se no outro.

Em suma, os incômodos não são os que precisam realmente mudar alguma coisa em seu comportamento. A vida os mudará naquilo que for necessário para eles, trará os aprendizados, amadurecimentos, crescimento, naturalmente, pois estão seguindo seu caminho e de olho em si mesmos. E os incomodados que se mudem!



Abençoados sejam!

sábado, 1 de novembro de 2014

RENOVAÇÃO

A cada início de ano a palavra de ordem é Renovação. Ela anda pela boca e pelo coração de todos assim que vai chegando o fim de cada ano. Então vamos pensar um pouco na renovação...

Na natureza tudo se renova sempre, no inverno o próprio ambiente como um todo morre e depois se renova com a primavera, e um dos exemplos mais clássicos é o da Lagarta que se transforma em Borboleta, um ser totalmente diferente, ao sair do casulo.

Renovar, composta de re (novamente) + novo = novo de novo, novo mais uma vez. Renovar é algo cíclico, que se repete. É ficar novo de novo depois que uma experiência se torna completa e se esgota. Como a Natureza com as estações, em que o Verão é o auge e o início da queda da experiência, que chega a um ápice onde nada mais é possível e depois se deixa murchar no Outono e fortalecer no Inverno para a renovação da Primavera; como a criatura que esgota sua experiência como Lagarta, pois ela já está completa, não há mais o que extrair dela, e se recolhe para se renovar como Borboleta e buscar uma nova experiência.


Mas nós humanos temos características muito próprias: nós temos apegos, temos medos, temos crenças. Nós nem sempre nos permitimos uma experiência completa. Nós temos dificuldade em abrir mão. Nós muitas vezes esperamos que a renovação seja um processo externo do qual não precisamos participar. Por isso uma Borboleta é um exemplo tão bom deste evento cíclico: porque ela mostra claramente que existe um terceiro momento neste ciclo, entre o esgotamento de uma experiência e uma nova experiência, chamado RECOLHIMENTO. Assim como a Natureza se recolhe no Inverno, a Lagarta se recolhe em seu casulo. Assim também precisamos nos recolher por um instante para que uma renovação seja possível.

No momento de recolhimento encaramos nossos apegos e medos, nossas crenças, digerimos nossa experiência e compreendemos o que é necessário renovar. E podemos perceber que renovação é algo que acontece de dentro para fora, algo do que participamos, algo que dirigimos voluntariamente. Às vezes, após longos períodos de estagnação, de falta de renovação, a vida vem e dá uma sacudida na gente, tirando o pó acumulado sobre nós em uma experiência que se prolongou demais. Mas isso só acontece para quem se negou por muito tempo a se renovar e acabou se esquecendo dessa possibilidade.

Quando desejamos, aspiramos e esperamos a renovação, precisamos entrar em recolhimento – uma etapa que dura para cada ser um tempo diferente, mas sem a qual a renovação não acontece. Você também está desejando renovação? Deixe seu coração mostrar o que precisa se renovar, de dentro para fora.

Abençoados Sejam!


O ORÁCULO DO ESPELHO

Olá! Hoje venho agradecer às pessoas que me apoiaram neste projeto e em todos os outros, que me deram uma resposta positiva como resultado deste trabalho, e divulgar meu livro aos que gostam das reflexões que coloco na internet, tanto no blog quanto no face. Ele saiu do forno há pouco tempo, foi trazido à tona por uma inspiração avassaladora, e tem me gratificado muito pelo que tem colhido das pessoas:
Não é um livro para se sentar e ler, é um daqueles livros feitos para se abrir em alguma página. Este é um pequeno oráculo que responde às nossas dúvidas, mas com reflexões, com questionamentos sobre a forma como estamos nos colocando e como podemos nos colocar diante das nossas questões do cotidiano. Assim como as lâminas do Tarot são 78, escolhi também 78 verbos para compor este livro, cada um trazendo uma reflexão como resposta.
Ao final do livro, deixei algumas sugestões de formas de uso para que ele possa servir de oráculo com mais profundidade.

Aos que se interessarem em estar com ele em mãos, está disponível em versão impressa neste link:
http://www.perse.com.br/novoprojetoperse/WF2_BookDetails.aspx?filesFolder=N1410263096816

Abençoados sejam!

domingo, 26 de outubro de 2014

CICLO DA EXPERIÊNCIA


“o pequeno passarinho
abre as asas em seu ninho
mas só aprende a voar
ao cair e levantar
– e não para de tentar”

Inspiração, orientação, experimentação e avaliação é o cronograma básico do ciclo das experiências na vida humana. Primeiro, vem a vontade que inspira a ação; em seguida, as idéias que orientam a ação; depois experimentamos a ação de fato, e então avaliamos a ação observando suas etapas e seus resultados. Podemos nos comparar, nesta trajetória, a um passarinho que está sempre saindo do ovo: Esticamos as asas, percebemos que elas estão ali, sentimos o impulso de nossos próprios instintos, observamos o vôo dos pássaros adultos e nos sentimos inspirados a criar penas, fortalecer os músculos e tentar alçar vôo nós mesmos. Então, a mente criativa traz idéias para orientar a ação, inventa um caminho para chegar ao céu. Experimentamos este caminho, agimos. E, depois, é hora de avaliar o que fizemos. Este é um momento crucial. Não podemos nos prender apenas a uma das etapas deste processo – o fim, o resultado. A avaliação deve levar em consideração todo o processo, desde o momento inicial – deve levar em conta todas as ferramentas que possuíamos desde o começo, assim como a capacidade que tínhamos para manuseá-las naquele momento.


A inspiração, se existiu, veio de onde? Da sabedoria do seu coração ou de algum lugar fora de você? De sugestões, idéias, pensamentos, sentimentos, ou do sopro do seu espírito sábio?

A orientação que você seguiu realmente era condizente com o objetivo da inspiração? Houve espaço para você libertar o poder criativo da sua mente ou você seguiu uma receita já conhecida que o pensamento estava repetindo ao invés de ousar ser original (ser você mesmo)?

Na experimentação, você seguiu sua orientação à risca ou se entregou ao medo de ousar, pegando atalhos já experimentados por outras pessoas, ou mais semelhantes àquilo que parece seguro, ou desistindo no meio do caminho?

Depois de responder a estas perguntas, agora sim, posso olhar para o resultado que obtive e me perguntar: Estou satisfeito com o que fiz? Era este o lugar onde queria chegar? Consegui um resultado positivo para mim mesmo e para o ambiente ao meu redor com o meio de ação que escolhi? Era isto mesmo o que eu queria desde o início? Era isto o que meu coração me pedia?

Se fizermos estes questionamentos sobre os resultados sem levarmos em consideração todas as outras etapas e a resposta para eles for negativa, provavelmente passaremos muito tempo dentro do ovo da frustração, da culpa e do fracasso antes de reunirmos forças para quebrar novamente a casca e tentar alcançar o céu.

A primeira coisa que devemos aprender para transformar nossa vida é a ouvir a inspiração que vem do coração, trazida pela sabedoria do nosso espírito. A segunda coisa importante é aprender a sermos justos para conosco, não sermos complacentes demais nem críticos demais. Levarmos em conta tudo o que somos, tudo o que temos, refletir amplamente observando detalhes, para não deixarmos passar em branco nossas falhas e sermos capazes de aprender com a experimentação. Assim como também não devemos ser duros demais para não criarmos cascas que nos aprisionam no sofrimento, na angústia e na estagnação.

Precisamos nos observar a cada dia como passarinhos recém saídos do ovo, pois a cada dia recomeçamos um aprendizado que não tem fim. Se estamos concentrados no presente, sabemos que o dia de ontem já acabou e que não poderá ser consertado, remoído ou carregado para sempre em nossas costas. Ele precisa ser deixado para trás dando lugar às possibilidades que se abrem hoje.

Precisamos tomar consciência do nosso direito de experimentar, independente dos resultados. Como espíritos, somos sábios, mas como humanos, somos crianças em busca de crescimento e desenvolvimento. O passarinho dentro de nós só conseguirá chegar ao céu, à sua realização pessoal, ao estado de liberdade e sabedoria, se ele não desistir de tentar. Se não criar uma nova prisão, um novo “ovo” a cada vez que cair. Para isso, é preciso que estejamos dispostos a olhar para este passarinho com compaixão e para nossas cascas com dureza. Mas, na maioria das vezes, fazemos o contrário – somos duros para com o passarinho e complacentes para com a casca.


Por quê? Porque não é fácil fazer a mente parar de repetir, ela é teimosa e, quando se depara com algo que não saiu como gostaríamos, volta a repetir todas as centenas de críticas e acusações que gravou ao longo da nossa vida. Ela está sempre disposta a voltar à tona e cortar nossa conexão com a sabedoria do coração, e isso acontecerá muitas vezes antes de conseguirmos fazer com que ela cumpra seu papel. Assim como, às vezes, na hora de definirmos nossa orientação, ela tem preguiça de criar e acaba desenterrando alguma receita velha, gravada lá atrás no passado, e por fim nos conduz a uma experiência que não nos gratifica. A mente precisa ser educada dia após dia. A conexão com nossa voz interior precisa ser fortalecida dia após dia. A avaliação profunda do nosso ciclo de experiência precisa ser feita dia após dia. Assim como, dia após dia, precisamos quebrar a casca do ontem e receber a dádiva do hoje com as asas abertas. E, dia após dia, tomarmos posse da inspiração, criarmos nossa própria orientação, ousarmos a experimentação e realizarmos uma avaliação sincera e justa, que nos proporcione aprendizado, liberdade e motivação para prosseguir ou para tentar mais uma vez.

Ontem, bati as asas e caí no chão. Que pena! Voltei para o ninho, pensei e vi que poderia ter pulado bem alto antes, para tomar impulso (Só então eu percebi que todas as aves fazem isso, poxa! Que distração!). Fui me deitar, dormir, recuperar minhas forças, esquecer a decepção, superar a dor e, hoje, quem sabe consigo dar o impulso necessário para alcançar o céu, ou receber uma inspiração nova que venha a se somar à lição que tive ontem sobre o salto. Hoje é dia de começar do zero. A única coisa que trago de ontem é aquilo que aprendi com meus erros, a informação nova que me auxilia. A decepção de ter caído, a dor de bater no chão, agora fazem parte do passado. Não penso nisso, deixo minha mente vazia para ouvir a inspiração e para que novas idéias me dêem a orientação de que preciso.


Cure os ferimentos do passarinho que caiu ontem e olhe com gratidão para o céu do dia de hoje.

Abençoados Sejam!

terça-feira, 21 de outubro de 2014

AS DEUSAS SUJAS E A CURA ATRAVÉS DO PRAZER

Como qualquer mulher, as deusas envelhecem. Diante dos ciclos da Lua e dos ciclos das estações, seguindo a Roda do Ano, elas nascem, crescem, envelhecem. No inverno e na Lua Nova, estão reclusas em si mesmas, gestando-se, e são o Vazio. Na primavera e na Lua Crescente, florescem como jovens musas, são caçadoras, virgens guerreiras. No verão e na Lua Cheia, são iniciadas no mistério da Criação e da vida e tornam-se mães. No outono e na Lua Minguante, são iniciadas na sabedoria e na Morte, tornam-se anciãs. E neste momento de sua trajetória são chamadas de “Deusas Sujas”. Não porque sejam realmente sujas, mas pela concepção de que a malícia e a sabedoria são características negativas nas mulheres, e de que o prazer e a alegria são pecados e devem ser evitados, de que tudo o que remeta à liberdade e ao prazer é “sujo”.
Rejeitadas e condenadas ao subterrâneo, à vida eremita e selvagem, elas vêm curar através da malícia, da irreverência; elas ensinam a curar-se através do prazer. Quando estamos no fundo do poço, cegados pela escuridão de nossa própria mente, afogados pela nossa própria miséria, enterrados em nosso inferno particular, consumidos por nossa rotina física e mental mecânica, elas aparecem. São como uma luz sutil no fim de um longo túnel, uma suave brisa, um leve cutucão capaz de nos despertar se estivermos dispostos a parar nossa autocomiseração por um segundo e prestar atenção ao seu movimento, que de tão leve às vezes passa despercebido. Sua influência vem nos lembrar de quanto tudo é efêmero, vem acordar a criança interior de seu pesadelo, vem despertar a nossa capacidade de driblar a escuridão com uma simples, singela e altamente repolarizante risada. Sim, daquelas que fazem tremer a barriga, que fazem ecoar nossa voz pelas paredes do nosso submundo mental e emocional, capaz de quebrar a cadeia de supervalorização que o ego cria em torno de si mesmo – supervalorização dos problemas, supervalorização de si mesmo, supervalorização do sofrimento: um muro intransponível de drama que se interpõe entre nós e a realidade externa, onde a vida continua e as soluções passam sem que possamos ver. Por viverem no subterrâneo, as deusas sujas conseguem atravessá-lo por baixo. Por serem selvagens, não temem o que há do outro lado. Por serem velhas, possuem a sabedoria e têm a concessão dada aos velhos de extrapolar os limites sociais, de tocar o ponto-chave através de formas surpreendentes, inusitadas e inaceitáveis. E, com sua irreverência, com sua malícia, com sua desimportância, com sua liberdade, soltam em nossos ouvidos um sussurro jocoso, irônico, da piada mais suja que seja possível àquele momento. E, ao rirmos, ao darmos a gargalhada fatal, quebramos por um instante a cadeia do ego, onde tudo é escuro, seco e doloroso. É o presente de um milímetro cúbico de oportunidade para passar, numa fração de segundo, do extremo da auto-importância, do sofrimento e da escuridão ao extremo do abandono, do prazer e da liberdade.

Hoje, a ciência comprova que o riso verdadeiro, a gargalhada espontânea e vibrante, mexe com nossos neurotransmissores e altera nossa saúde mental e física. Nossos ancestrais sabiam disso intuitivamente: o riso cura, porque rir dá prazer mental, emocional e físico, e o prazer muda nossa predisposição de espírito, qualquer que seja o motivo da dor ou seu grau de intensidade. Numa época como a nossa, em que tudo é levado tão à sério, a ferro e fogo, desde as grandes questões práticas como religião e profissão até as mais simples coisas do cotidiano, rimos pouco e quase sempre damos um sorriso social, facial apenas, sem prazer, pois dada a seriedade da vida, nos acostumamos a fazer tudo sem prazer, por obrigação, com profunda deferência e sob muito peso e pressão. No fundo, é nosso ego que sorri para dizer que entendeu a piada – e fazemos poucas, rimos das piadas pré-fabricadas que são repetidas dúzias de vezes, quando na verdade o que precisamos é rir de nós mesmos, de nossa própria seriedade, de nossas próprias crenças, e rir com sinceridade, rir de nós, por nós e para nós, e não para as pessoas que nos cercam. As deusas sujas aparecem quando nossa seriedade se torna uma crença e um hábito determinante que nos aprisiona, e fazem piada da nossa dor, com tanta maestria, com tamanha audácia e tão profunda malícia, que tudo o que podemos fazer é rir, antes mesmo que o ego se ofenda. Mesmo porque, ao rirmos, ele imediatamente é retirado do comando. Elas, as portadoras do “obsceno sagrado”, fazem da palavra seu instrumento de poder, com o qual alteram o estado de consciência humano, pois “falam com o ventre”, no sentido de que sua sabedoria é uterina, ancestral e refinada, e permite que suas palavras brotem de seu mais profundo instinto sem serem medidas, são sentidas e pronunciadas e têm um grande poder curativo, pois nos conduzem a um estado primitivo de naturalidade – o relaxamento físico e psíquico.
Esse é um chamado para as mulheres, pois esta porção da feminilidade, a porção sábia, instintiva e “suja”, foi completamente enterrada pelas crenças do passado e está sendo decomposta pelos hábitos do presente, mas pode ser resgatada para a saúde do futuro. O resgate dos atributos femininos tem sido de grande valor para nosso tempo, e esta parcela em especial é de grande valor para o momento que o ser humano vive hoje, e para cada mulher individualmente age como uma ferramenta libertadora e aglutinadora de sua integridade. E é também um recado para os homens, pois estes também precisam tomar o remédio obsceno e divertido que a energia feminina guarda em seu aspecto mais selvagem e ancestral, e também mais censurado. Para isso, precisam abandonar os preconceitos e medos impostos por tanto tempo dentro de nossa cultura com relação à porção lasciva, selvagem e livre presente na mulher. Recebam ambos a inspiração das deusas sujas. Cada vez que alguém solta uma piada obscena, uma frase condenável, uma tirada vergonhosa ou um comentário “sujo” que traz à tona a gargalhada, as deusas sujas estão presentes, sussurrando nos ouvidos de quem percebe a sutileza e está aberto para a cura, soltando-lhes a língua antes que percebam. Respeitem-nas, são anciãs e têm idade para serem bisavós. Riam com elas, aprendam com elas, curem-se com elas. Mais do que isso, resgatem-nas. No outono e na Lua Nova, chamem-nas. Tirem-nas do subterrâneo e da vida eremita, tragam-nas para casa, deixem-nas falar com o ventre sobre a obsolescência do agora e sobre os ciclos que tornam tudo passageiro, sem importância e digno de um bom sarro.

Imagino que o título deste texto tenha feito parecer que estaríamos falando sobre assuntos sérios como Khundalini, sexo sagrado ou algo do gênero. É que elas me sopraram este título, e neste momento estão rindo da nossa falta de malícia para entender que o sexo não é sujo, e que o riso às vezes pode ser mais curativo do que qualquer ritual elaborado. Ouço o riso delas, riem de nós, riem da nossa falta de imaginação, riem do nosso mau humor, e riem porque não levamos o riso à sério.

Abençoados sejam!

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

ANTES DA CRÍTICA

Estava pensando com meus botões, observando as interações entre as pessoas de um panorama que me surgiu há um tempo atrás – o panorama das relações de acréscimo.

O que seriam relações de acréscimo? Bom, é um ideal que alimento e que creio que muitas pessoas também alimentam. São aquelas relações que, curtas ou longas, ocasionais ou reincidentes, sempre acrescentam algo a todas as partes envolvidas, somente beneficiam a cada uma delas, sem perdas e sem ressentimentos. Isso exige um alto nível de abertura do ser humano, que nós ainda não temos, ao menos não integralmente, mas que podemos exercitar e estender gradualmente. Somente a abertura pode nos trazer relações de acréscimo. Elas dependem de estarmos abertos a ouvir, abertos a refletir, abertos à aceitação do outro e do valor de sua experiência e sabedoria, da validade de seu ponto de vista, e abertos à doação. Quando todas estas aberturas estão funcionando, podemos viver relações de acréscimo em que o reconhecimento é a mola propulsora de todas as palavras, atitudes, predisposições. Reconhecimento do outro e de nós mesmos, que nos isola de nos ofendermos com o que quer que seja e de nos sentirmos motivados a ofender a quem quer que seja de qualquer forma que seja. Que nos coloca abertos para dar e receber acrescentando mutuamente.

Mas nossas relações hoje não são de acréscimo, são de disputa. Disputamos pela razão, pela superioridade, pelo valor, pela palavra final, pela verdade, pelo status. Isso nos põe fechados ao que vem de fora, pois nas relações de disputa, aceitar o que vem de fora significa diminuir o valor do que está dentro, dar a razão ao outro, perder, estar abaixo. A disputa não busca o acréscimo, muito menos mútuo, ela busca fazer o outro perder para que possamos ganhar. Grande ilusão, na verdade, pois o outro não perde nada com nosso fechamento, e nós também não ganhamos. Não ganhamos conhecimento, não ganhamos informação, não ganhamos satisfação, não ganhamos crescimento, harmonia. Não recebemos e não doamos. Estamos, em função da disputa, sempre predispostos à crítica, muito mais do que à compreensão. Criticar é diminuir o outro, é mostrar que ele não tem valor, é ganhar dele ao invés de receber dele. Antes de ouvir, antes de entender, antes de procurar o significado ou o valor, vem a crítica.


Numa relação de acréscimo também existe a crítica, mas ela visa acrescentar, não destruir. A crítica pode ser positiva quando ouvimos, recebemos, entendemos e mostramos pontos a serem revistos, trabalhados, fortalecidos; enfim, quando a crítica acrescenta mais informação, mais lucidez, mais valor a algo, quando ela não visa derrubar, diminuir, desacreditar, ofender ou ridicularizar. E a grande receita para que a crítica seja construtiva e não destrutiva é o que vem antes dela. Antes da crítica vem a abertura, vem o questionamento, vem a disposição para ouvir e entender. Então ela poderá vir a ser construtiva se soubermos também doar. Sem doação sincera, as palavras podem ser hostis. E, para haver doação sincera, voltamos à abertura, como num círculo vicioso...

Nas relações de disputa, estamos fechados e estamos buscando demonstrar superioridade para ganhar do oponente.  Isso cria uma postura de tirar conclusões sem fazer perguntas, pois fazer perguntas nos faz sentir em desvantagem, é como admitir que sabemos menos ou que não compreendemos totalmente algo, ou que nos faz falta uma explicação mais detalhada, e então estamos perdendo. Para não perder, fazemos críticas baseadas em conclusões tiradas a esmo, por interpretação pessoal. Nas relações de acréscimo, estamos abertos a ouvir, nos sentimos à vontade para fazer perguntas, pois admitimos que realmente não sabemos mais do que o outro sobre o que pertence exclusivamente a ele – suas idéias, seus sentimentos, seus conhecimentos, sua experiência. Perguntar é enriquecer nosso ponto de vista, é ganhar. Não ganhar do outro, mas ganhar para si mesmo. E fazemos críticas baseadas em informações concretas que formam nossa visão sobre aquilo que ouvimos, que é o que transmitimos no lugar da crítica depreciativa. Doamos um ponto de vista depois de receber o mesmo do outro, e ambos se acrescentam.


Antes da crítica, o que você faz? Antes da crítica, o que você sente? Antes da crítica, o que a traz à tona? Se antes da crítica você não faz perguntas, ou faz perguntas com a intenção de que a resposta sirva de ponto de partida para mais críticas, ou se sente impelido a depreciar e combater, ou lhe parece que seja necessário provar qualquer coisa que seja, pense um pouco. Pense um pouco sobre as relações de disputa e de acréscimo. Pense sobre qual delas lhe parece mais vantajosa e satisfatória. E, se lhe parecer mais feliz a opção das relações de acréscimo, da próxima vez, antes da crítica, tente abrir-se. Devagar e sempre, um pouco mais a cada vez. E a cada vez estará abrindo a porta do acréscimo dentro de cada um que passa por você. A trajetória de mudança começa com um passo e continua a cada passo a cada vez que optamos por dar um passo novamente.


Abençoados sejam!

terça-feira, 14 de outubro de 2014

MUITO PRAZER, MEU NOME É ARROGÂNCIA!

A palavra “arrogante” é quase moda, mais falada que qualquer letra de funk. Todo mundo chama todo mundo de arrogante, todo mundo diz que isso ou aquilo é arrogância. Mas o que é realmente a tal da arrogância? Algum de nós tem isso claro em mente?

Segundo o dicionário: Atitude altaneira; altivez; orgulho; insolência. Arrogância segundo o site significados.com.br: Arrogante é um adjetivo de dois gêneros que expressa uma característica negativa de um indivíduo que carece de humildade, que se sente superior a todos. Ser arrogante significa ser altivo, prepotente, ter a convicção que é expert em vários assuntos e, por isso, não ter interesse em ouvir outras opiniões. O arrogante é classificado como orgulhoso, soberbo, presunçoso e extremamente vaidoso.

Então, por que motivo, causa, razão ou circunstância, deveríamos rotular alguém como arrogante pelo simples fato de ter uma opinião própria ou de ser veemente em suas colocações? Afinal, cada um tem suas próprias crenças e sua própria experiência construindo os alicerces de sua lógica e de seus pontos de vista. Quer coisa mais arrogante do que menosprezar o que vem do outro só por ser diferente do que está em nós? Veja bem, na definição de arrogância ali em cima está escrito “não ter interesse em ouvir outras opiniões”. E acrescente-se a isso o julgar os outros por terem opiniões. Olhando bem, nestas situações os arrogantes somos nós... Que nos esquivamos de ouvir outras opiniões justificando nossa atitude de arrogância com a frase “você é arrogante”.

E na arrogância nossa de cada dia, quando acreditando firmemente que temos a receita mágica para a felicidade do mundo, impomos nosso ponto de vista como verdade dizendo aos outros como deveriam pensar, agir, viver? De novo olhando a definição acima, vemos que “ter a convicção que é expert em vários assuntos” desprezando o direito alheio a explorar seu próprio caminho é arrogância. Mas, ainda assim, quando o outro manifesta consciência de seu poder de decisão sobre si mesmo, o arrogante é ele. E nos esquivamos mais uma vez do aprendizado, da troca, da humildade, através da frase “você é arrogante”.


Nas duas situações, nos colocamos como alguém que não precisa ouvir, não tem mais o que aprender, sabe mais e é melhor. Observando que na mesma descrição vemos que a pessoa arrogante é “um indivíduo que carece de humildade”... Quem não está sendo humilde mesmo? Porque afinal de contas, não há alguém que saiba tudo, que entenda tudo, que explique tudo, que não tenha mais nada a aprender, ou há? Mesmo aqueles “grandes gurus” da humanidade nos recomendam que não paremos nunca de aprender, pois eles mesmos continuam a aprender, e quanto mais aprendem, mais percebem que carecem de aprendizado.

Nada mais arrogante do que dizer que o outro é arrogante porque não concorda conosco, porque não aceita fazer o que faríamos no lugar dele, porque não concorda em pensar com nossa cabeça – como se fôssemos donos da verdade e todos os que não concordam conosco estivessem automaticamente errados. Será arrogância apropriar-se do direito de pensar por si mesmo, tomar suas próprias decisões, fazer suas próprias escolhas, ser aquilo que deseja ser e caminhar por onde quer? Ou seria arrogância de verdade querer impor aos outros o que vale somente para nós?

Há também aquelas situações em que o arrogante é o outro porque este é espontâneo em suas emoções, manifestando seu descontentamento diante das nossas imposições, e nos intitulamos humildes porque somos arrogantes de fala mansa, educada, enfim, somos arrogantes de máscara, e enquanto os outros são passionais nós agimos friamente, na convicção de que atormentá-los demonstra nossa superioridade. Mais uma vez citando a descrição acima, o arrogante “se sente superior a todos”, não importando o quanto esteja agindo de forma cínica ou dissimulada. Ser capaz de ser arrogante com frieza e dissimulação não é ser menos arrogante, é?


Bom, mas o importante realmente nisso tudo é que o arrogante não aprende nada enquanto não aprender o que é realmente a arrogância e não aprender a enxergar que ela mora dentro dele. Pois, até lá, terá toda a onipotência, onipresença e onisciência morando em sua vaidade, em sua imaginação, e defendendo-se da abertura a qualquer coisa que não seja pensada por ele mesmo. Sim, defendendo-se! Porque, no fundo, tudo o que o arrogante precisa é acreditar no que diz, acreditar na grandiosidade que ele atribui a si mesmo pois, a despeito de sua grande vaidade, ele não sabe quem ele é, e quem não se conhece não se valoriza.

E, mais importante ainda, é que saibamos que existe um arrogante dentro de cada um, e que isto, definitivamente, nos tira o direito de repetir o refrão automático “você é arrogante”, pois o outro ser arrogante não é justificativa para nosso comportamento de arrogância.


Abençoados sejam!

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

AUTOESTIMA OU AUTO-IMPORTÂNCIA?

A perda da auto-importância (ou “importância pessoal”) é fundamental para a realização do ser humano, mas confunde-se muito auto-importância com autoestima, então me senti inspirada a escrever sobre as diferenças entre ambas. A autoestima é uma ferramenta para que a auto-importância se torne desnecessária dentro de nós. Ela é como uma alavanca que ajuda a desencrustar a auto-importância do solo da nossa mente.

Autoestima é a noção de nosso próprio valor, reconhecimento que chega através do autoconhecimento, quando conseguimos olhar para nós mesmos, identificar nossas ferramentas internas e nossas limitações, aceitar-nos como somos e reconhecer nossa capacidade como indivíduos, nossa participação em nosso meio, sentindo contentamento pela pessoa que nos tornamos, pelas experiências que temos, pelos dons que desenvolvemos, pelas características que apresentamos, e respeitando nossa individualidade e momento. A autoestima nos coloca como parte de um todo destacando e valorizando aquilo que é único em nós num sentido que se refere mais à utilidade do que à hierarquia, ou seja – ressaltando o que é ímpar em nosso ser como forma de brilhar e contribuir com nosso meio, não de estar acima ou abaixo de outros seres, pois compreendemos através da aceitação da exclusividade de nossa própria identidade que não existem comparativos, muito menos em relação a maior ou menor, superior e inferior (tais comparativos apenas demonstram inconsciência sobre si mesmo e problemas com a autovalorização, já que buscam nos outros a afirmação do que somos e não em nós mesmos). A autoestima nos ajuda a perceber o valor das outras pessoas em nossa vida sem que com isso estejamos nos desvalorizando. Ela nos leva a buscar nosso crescimento através do aprendizado e nos ajuda a criar relações saudáveis com as pessoas e com nosso meio, pois não temos que provar nem exigir, podemos interagir profundamente sem nos sentirmos ofendidos em nossa integridade e valor.

Auto-importância é o olhar hierárquico sobre nós mesmos, colocando acima ou abaixo; e tanto faz se é acima ou abaixo, a auto-importância sempre nos coloca como mais importantes do que todos, seja na posição de privilegiados acima ou de injustiçados abaixo, minando a autoestima e afastando-nos da consciência sobre nós, da responsabilidade sobre nossas vidas e da realização pessoal em qualquer aspecto.

Quando adotamos posturas arrogantes, vaidosas, orgulhosas, de donos da verdade, de superiores, de poderosos, imbatíveis, inatingíveis, ou qualquer outra em que estejamos nos protegendo de um olhar sincero sobre nós e sobre nosso contexto que nos traga o reconhecimento de nosso real valor, é porque a auto-importância está gerenciando nossa forma de viver. Quando adotamos posturas de autocomiseração, autodepreciação, vitimismo, submissão, ou qualquer outra em que estamos fugindo da responsabilidade de assumir quem realmente somos para ganhar privilégios, comodidades, benefícios ou atenção, é também porque a auto-importância está gerenciando nossa forma de viver.

Ao contrário da autoestima, que vem da consciência sobre si mesmo e promove a sensação de integração e contentamento, a auto-importância vem da inconsciência sobre si mesmo ou da covardia em assumir a si mesmo e promove a sensação de isolamento e descontentamento.


Quando a auto-importância se manifesta na hierarquia de superioridade, nos sentimos “especiais demais” para aprender com o outro, para sermos tratados com igualdade, para sermos contestados ou termos nossos caprichos negados. Somos “importantes demais” para reconhecer nossos erros e para aprender a fazer melhor. Para olharmos para nós mesmos e identificarmos aspectos que precisam de lapidação. Para concordar com alguém, para ganhar tal quantia, para não receber atenção especial, para ficar de fora de algo. Queremos tapete vermelho e trombetas, pois acreditamos que é o que merecemos.  Somos os “gurus” de uma humanidade inferior em que não nos encaixamos, pois ela não reconhece nossa supremacia. Constantemente nos sentimos ofendidos com as atitudes dos outros, com suas escolhas, com suas opiniões, pois acreditamos ser o centro do universo e tudo o que todos ao nosso redor pensam e fazem é visando a nós. Isso causa problemas em nossas relações, em nossa forma de nos conectarmos às demais pessoas que nos cercam, em nossa vida social e íntima, traz emoções destrutivas como acessos de orgulho e vaidade, autoritarismo e dificuldade de ouvir e, consequentemente, de aprender e evoluir.

Quando a auto-importância se manifesta na hierarquia de inferioridade, nos sentimos desamparados, fracos, impotentes, acreditamos que estamos sendo castigados, perseguidos, usurpados, humilhados, roubados, e acreditamos que o mundo, as pessoas, a sociedade, nos “deve” algo. Colocamo-nos na posição de quem deve exigir dos outros pois não temos, dentro de nós, os mesmos recursos que todos têm. Somos especiais porque nascemos “sem” e precisamos que as pessoas entendam e aceitem que somos “menos” e dependemos de que os outros se esforcem em nosso lugar, façam por nós, nos deem de bandeja; enfim, esmolamos ou cobramos, pois não queremos aceitar o que realmente somos – isso exigiria sair do cômodo, do confortável, daria trabalho, e merecemos não ter o trabalho que os outros têm para conseguir as vitórias que eles conseguem. Somos “especiais demais” para fazer esforço. Muitas vezes nos sentimos ofendidos com as pessoas porque elas estão nos ignorando, não fazem o que queremos, não pensam nos que nos interessa, não nos dão o suficiente – e elas nunca, jamais nos dão o suficiente, por isso estamos sempre descontentes, e estamos sempre responsabilizando as pessoas, Deus, nosso chefe, nossos pais, ou a sociedade pelos nossos fracassos. E, ao adotar o “coitadinho de mim”, o “eu não consigo”, o “dá tudo errado na minha vida”, o “sou um azarado”, estamos negando o autoconhecimento e a autoestima, negando a descoberta de nossas ferramentas internas e de nosso valor pessoal e social. Pois isso, claro, nos colocaria na posição de responsáveis por nossas escolhas e por nossa felicidade.

Não, auto-importância não é autoestima, ao contrário, está muito longe dela e nos distancia dela na mesma proporção. Não confunda aquilo que lhe mostra seu valor com aquilo que lhe tira seu valor.


Abençoados Sejam!

terça-feira, 7 de outubro de 2014

O MEDO DENTRO DO MEDO

Todos sentem medo, e cada um de nós tem uma forma de reagir diante do medo. Mas existem dois medos dentro de nós, o visível e o invisível.

O medo visível é aquele que se manifesta nas coisas externas: medo de altura, medo de barata, medo de dirigir. Mas este não é o medo real, é apenas o lugar onde descarregamos o medo real, que é o medo invisível, aquele que não demonstramos, que não colocamos em palavras, que muitas vezes não assumimos nem diante de nós mesmos: o medo do fracasso, da rejeição, do erro, da responsabilidade, da dor.

O medo visível funciona como uma ferramenta para a manutenção do medo invisível. Ele mantém o medo invisível oculto, pois nos permite descarregar suas tensões em outro lugar, e ao mesmo tempo nos chama a atenção para o fato de que existe algo dentro de nós que não estamos dispostos a encarar. O medo invisível faz com que o medo visível aconteça, e o medo visível facilita nossa postura de não lidar com o medo invisível, pois suas tensões são aliviadas ao direcionarmos para outro foco.

O medo visível torna-se um delimitador de experiências tão potente quanto o medo invisível. Ele limita nossa vida cotidiana de maneira clara, nitidamente perceptível, enquanto o medo invisível nos cerceia por dentro, silenciosamente, disfarçadamente.


Mas nada disso é irreversível. Podemos usar o medo visível como alavanca para a cura do medo invisível. Quando questionamos e confrontamos o medo visível (Afinal, o que pode contra mim uma simples barata? O que me aconteceria de tão trágico se eu caísse de uma cadeira? Por que cargas d’água o ato cotidiano de dirigir me intimida tanto?), podemos derrotá-lo,  tornando nossa mente mais forte, mais resistente para lidar com o medo invisível; o deixamos sem sua válvula de escape e sem sua máscara. Cedo ou tarde ele terá de se apresentar para nós exatamente como é. E poderemos também questioná-lo, confrontá-lo, derrotá-lo.

Os medos são cercas que colocamos em nossas vidas. Cercas que nos dizem até onde nossa experiência pode ir. Quando nascemos, possuímos infinitas possibilidades para experimentar, para escolher, e através das programações de medo cercamos um espaço que cria a ilusão de segurança, de invulnerabilidade, onde aquilo que tememos não pode entrar e nós também não podemos sair. Mas o medo é só uma idéia – uma idéia fixa em que acreditamos, é nossa imaginação e criatividade estagnadas e direcionadas para a tragédia, contando uma história de terror que só acontece em nossa mente. Através do medo estamos, na verdade, profetizando o desfecho que não queremos para algo que não vamos tentar em função da nossa imaginação. Mas nada disso é real, está acontecendo apenas na nossa imaginação, assim como a ameaça da barata.

Então porque não confrontar esses pensamentos que, no fundo, sabemos que são mentiras? Porque não curar nossos medos e voltar a ter infinitas possibilidades de vida, experiência e sucesso?

Estamos aqui para viver intensamente. INTENSAMENTE!


Abençoados sejam!

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A FORÇA COTRÁRIA

A Física diz que toda ação provoca uma reação inversamente proporcional. O Budismo de Nitiren Daishonin chama essa reação de “força contrária”. A força contrária não é um elemento do mal, que tenha questões pessoais em relação a nós, mas sim um elemento natural, assim como a inércia, que faz com que a gente penda para trás quando o ônibus parte para a frente. Ela faz parte do movimento. É impossível para qualquer criatura iniciar um movimento sem deparar-se com a força contrária. Nada pessoal. Ela apenas existe.

Como um elemento natural em nosso caminho, com o qual temos de lidar, a força contrária tem muito a nos ensinar sobre nós mesmos. Deparamo-nos com ela contrapondo-se justamente ao início de um movimento. E é no início que podemos nos observar e decidir superar nossos limites ou não. A experiência de subir as montanhas me deu um ótimo exemplo de como aproveitar a força contrária a nosso favor, transformando-a em uma professora para o autoconhecimento e reveladora de potenciais.

Quando saímos da inércia, da rotina, e colocamos nosso corpo em movimento para buscar o topo de uma montanha, os primeiros 30 minutos de caminhada são os piores. Nosso corpo não está acostumado a fazer aquela força, a utilizar aquela quantidade de energia, nossas juntas estão duras, nossa musculatura está mole, nossa circulação sanguínea está frouxa – nosso organismo como um todo está condicionado ao mínimo esforço que fazemos no cotidiano e leva mais ou menos 30 minutos para que ele aceite o fato de que vai ter que fazer mais e melhor do que isso, pois hoje o estamos colocando em movimento, num novo movimento que pede o máximo que ele possa dar. Então vem a dor, a exaustão precoce, as câimbras, a falta de ar. Vem a vontade de parar, sentar e dizer “não consigo”. Eis a força contrária contrapondo-se ao nosso movimento. Neste momento nos conhecemos melhor.



Há quem realmente pare ali e diga “não consigo”, acatando a força contrária e mantendo-se na zona de conforto para não superar seus limites, para não fazer esforço, para não desbravar a si mesmo. E ainda assim está desbravando a si mesmo, pois está travando contato com seu conformismo, com sua preguiça, com seu autoboicote, mesmo que inconscientemente, mesmo que encarando isso como uma limitação factual e não como uma limitação auto-imposta. E a força contrária já está atuando como professora. Nesse caso, ela não poderá tornar-se uma reveladora de potenciais, pois estamos cedendo a ela ao invés de aceitá-la como um estágio do movimento, mas já cumpriu com metade do seu poder de ensinar.

Mas há também quem esteja decidido a ir até o fim, e ao sentir o impacto da força contrária, perceba que a única coisa necessária é continuar, pois o corpo terá de ser capaz de acostumar-se àquele movimento, afinal muitos outros corpos já subiram aquela mesma montanha até o topo e o cansaço não os matou (porque cansaço não mata mesmo...). Nesse caso, o contato com a preguiça, o conformismo e o autoboicote se dão em forma de consciência, não de entrega. E a consciência traz o desejo da superação. E o desejo da superação traz à tona a força que estava guardada dentro de nós, que nos impulsiona a ir adiante, a continuar em movimento até que o corpo desperte, que a dor passe, que a circulação se estabilize, que os pulmões se abram. E descobrimos que isso realmente acontece ao mesmo tempo em que descobrimos que todas as nossas crenças a respeito dos nossos limites eram apenas apego à zona de conforto, porque podemos ir muito além, somos muito mais capazes do que acreditávamos. E é aí que a força contrária revela nosso potencial adormecido.

Assim como na subida de uma montanha, na vida cotidiana também encontramos a força contrária contrapondo-se a todos os tipos de movimento que iniciamos, sejam físicos, intelectuais ou emocionais. Mas, ao invés de ficarmos ofendidos com ela ou cedermos ao seu contato transformando-a numa sentença de fracasso, podemos dar um outro tipo de atenção a ela, observando aquilo que ela causa em nós, observando a nós mesmos diante dela, observando e aprendendo. Sem que houvesse a ação da força contrária, qualquer coisa que fazemos teria menos poder, pois poderia passar em branco a conscientização sobre quem somos, como agimos, como pensamos, como encaramos a nós mesmos e à vida. Que venha a força contrária, que possamos agradecer à sua presença em nossa caminhada! Mas que saibamos, desde antes deste contato, que é preciso atravessá-la para compreender a dádiva que ela é capaz de proporcionar.


Abençoados sejam!