terça-feira, 2 de dezembro de 2014

O DESEJO E O IMPULSO

Quem na vida não se arrependeu de algo e disse (ou ao menos pensou) “fiz por impulso”? Na minha forma de ver, essas coisas que a gente faz sem medir direito não são feitas sob a força do impulso, mas sob a força do desejo. Existem algumas diferenças básicas e muito significativas entre um e outro.

Vejo o impulso como uma parte do instinto, a parte ativa do instinto. O impulso faz nossos instintos saírem da sensação para a ação. Não temos o instinto de comprar, não temos o instinto de ferir gratuitamente, não temos o instinto de comer em demasia, por exemplo. Temos o instinto de sobrevivência, e dele fazem parte o instinto sexual, o instinto alimentar, o instinto de segurança física, o instinto sexual e várias outras pequenas bifurcações. O instinto parte das vísceras, e o impulso, consequentemente, é visceral também. A gente pode, por impulso instintivo, tomar a atitude mais impensada e certeira da maneira mais socialmente inadequada, mas acredito eu que a causa é quase sempre justa – é questão de sobrevivência, de alguma forma.

Mas, naquelas coisas que não atendem aos instintos que qualquer outro animal possui, estamos falando de desejo. O desejo não é o impulso visceral, é a sedução mental – e por isso nossa mente muitas vezes não funciona bem diante dele: ela está seduzida, embriagada pelo desejo. Desejo de possuir, desejo de sentir, desejo de provar, qualquer desejo. Muitos dos desejos que nos tiram do comando de nossas ações sequer vem de dentro de nós, são elementos implantados em nossa mente pelos valores socioculturais, pela propaganda, pelos registros que fizemos ao longo da existência de toda a informação externa que recebemos, e durante a vida os alimentamos com o poder da fé, com nossas crenças, tornando-os altamente bem nutridos, muitas vezes mais do que nós mesmos, pois comumente é com a satisfação do desejo que tentamos saciar uma fome incessante e incômoda que carregamos de longa data...

Diante do desejo não existem causas e consequências, nossa atenção não consegue ficar ligada, existe apenas o objeto de desejo e nada do que e passa ao nosso redor ou dentro do nosso contexto é percebido, e depois de cedermos não sabemos ao certo o que fizemos e porque fizemos, muitas vezes nem como fizemos; diante dos impulsos e do instinto acontece o contrário, nossos sentidos estão alertas, inclusive para os aspectos sutis que envolvem a situação, e todo o conjunto de informação é levado em conta, mesmo que não possamos processar tudo isso ao mesmo tempo – ele não é equacionado pela lógica, mas é consciente, e depois do impulso sabemos o que fizemos e porque fizemos.

Daí vem o x da questão lá do começo: o desejo não tem causas e não mede consequências, mas o impulso sim, este tem causas e visa consequências. Quando agimos “por impulso”, independente de a forma como agimos não ter sido a melhor possível, não há arrependimento pois há uma causa, há uma razão, há um motivo. Quando somos seduzidos e embriagados pelo desejo, somente depois de o termos saciado é que descobrimos que o desejo é vazio, que não há causa para ele, apenas consequências.

Trouxe essa reflexão hoje para dizer que precisamos dos nossos impulsos, aqueles verdadeiros, que fazem o instinto agir e colocar as coisas no lugar, mesmo que depois a gente precise se retratar pela forma como o fez. Mas o desejo, esse precisa realmente ser domesticado. Não que a gente vá parar de desejar, mas com o tempo, quem sabe possamos parar de embriagar-nos com o desejo a ponto de ter uma ressaca de arrependimentos.

Abençoados sejam!
Corvo Negro

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