quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A FORÇA COTRÁRIA

A Física diz que toda ação provoca uma reação inversamente proporcional. O Budismo de Nitiren Daishonin chama essa reação de “força contrária”. A força contrária não é um elemento do mal, que tenha questões pessoais em relação a nós, mas sim um elemento natural, assim como a inércia, que faz com que a gente penda para trás quando o ônibus parte para a frente. Ela faz parte do movimento. É impossível para qualquer criatura iniciar um movimento sem deparar-se com a força contrária. Nada pessoal. Ela apenas existe.

Como um elemento natural em nosso caminho, com o qual temos de lidar, a força contrária tem muito a nos ensinar sobre nós mesmos. Deparamo-nos com ela contrapondo-se justamente ao início de um movimento. E é no início que podemos nos observar e decidir superar nossos limites ou não. A experiência de subir as montanhas me deu um ótimo exemplo de como aproveitar a força contrária a nosso favor, transformando-a em uma professora para o autoconhecimento e reveladora de potenciais.

Quando saímos da inércia, da rotina, e colocamos nosso corpo em movimento para buscar o topo de uma montanha, os primeiros 30 minutos de caminhada são os piores. Nosso corpo não está acostumado a fazer aquela força, a utilizar aquela quantidade de energia, nossas juntas estão duras, nossa musculatura está mole, nossa circulação sanguínea está frouxa – nosso organismo como um todo está condicionado ao mínimo esforço que fazemos no cotidiano e leva mais ou menos 30 minutos para que ele aceite o fato de que vai ter que fazer mais e melhor do que isso, pois hoje o estamos colocando em movimento, num novo movimento que pede o máximo que ele possa dar. Então vem a dor, a exaustão precoce, as câimbras, a falta de ar. Vem a vontade de parar, sentar e dizer “não consigo”. Eis a força contrária contrapondo-se ao nosso movimento. Neste momento nos conhecemos melhor.



Há quem realmente pare ali e diga “não consigo”, acatando a força contrária e mantendo-se na zona de conforto para não superar seus limites, para não fazer esforço, para não desbravar a si mesmo. E ainda assim está desbravando a si mesmo, pois está travando contato com seu conformismo, com sua preguiça, com seu autoboicote, mesmo que inconscientemente, mesmo que encarando isso como uma limitação factual e não como uma limitação auto-imposta. E a força contrária já está atuando como professora. Nesse caso, ela não poderá tornar-se uma reveladora de potenciais, pois estamos cedendo a ela ao invés de aceitá-la como um estágio do movimento, mas já cumpriu com metade do seu poder de ensinar.

Mas há também quem esteja decidido a ir até o fim, e ao sentir o impacto da força contrária, perceba que a única coisa necessária é continuar, pois o corpo terá de ser capaz de acostumar-se àquele movimento, afinal muitos outros corpos já subiram aquela mesma montanha até o topo e o cansaço não os matou (porque cansaço não mata mesmo...). Nesse caso, o contato com a preguiça, o conformismo e o autoboicote se dão em forma de consciência, não de entrega. E a consciência traz o desejo da superação. E o desejo da superação traz à tona a força que estava guardada dentro de nós, que nos impulsiona a ir adiante, a continuar em movimento até que o corpo desperte, que a dor passe, que a circulação se estabilize, que os pulmões se abram. E descobrimos que isso realmente acontece ao mesmo tempo em que descobrimos que todas as nossas crenças a respeito dos nossos limites eram apenas apego à zona de conforto, porque podemos ir muito além, somos muito mais capazes do que acreditávamos. E é aí que a força contrária revela nosso potencial adormecido.

Assim como na subida de uma montanha, na vida cotidiana também encontramos a força contrária contrapondo-se a todos os tipos de movimento que iniciamos, sejam físicos, intelectuais ou emocionais. Mas, ao invés de ficarmos ofendidos com ela ou cedermos ao seu contato transformando-a numa sentença de fracasso, podemos dar um outro tipo de atenção a ela, observando aquilo que ela causa em nós, observando a nós mesmos diante dela, observando e aprendendo. Sem que houvesse a ação da força contrária, qualquer coisa que fazemos teria menos poder, pois poderia passar em branco a conscientização sobre quem somos, como agimos, como pensamos, como encaramos a nós mesmos e à vida. Que venha a força contrária, que possamos agradecer à sua presença em nossa caminhada! Mas que saibamos, desde antes deste contato, que é preciso atravessá-la para compreender a dádiva que ela é capaz de proporcionar.


Abençoados sejam!

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