sábado, 27 de setembro de 2014

A ÁGUIA E A ANDORINHA

“para ser como a andorinha
que nunca estará sozinha
ao chamado da águia atender:
no meu ninho, renascer”

Depois de adultas, as águias precisam passar por um processo de renovação assustador e fantástico: No final do outono, a poucos dias do inverno, elas se recolhem em seus ninhos, no ponto mais alto do seu território, e voluntariamente “se matam” para nascer de novo. Primeiro, arrancam todas as penas; depois, as garras; em seguida, batem com o velho bico numa pedra até que ele caia. E assim, nuas e desarmadas, passarão pelo frio do inverno inteiro em recolhimento dentro de seus ninhos, se refazendo, se renovando. Quando chega a primavera, estão “de roupa nova” com a plumagem toda regenerada, possuem garras novas e mais afiadas para a temporada de caça, receberam de seu organismo um novo bico brilhante e bonito. Isso exige mais do que coragem, exige força de vontade e uma fé inabalável em sua capacidade de sobreviver. E ela faz isso tudo sozinha. É um animal solitário. Uma andorinha jamais suportaria um processo como este – a andorinha corre o mundo todo em busca do verão, pois não sobrevive ao frio nem mesmo com todas as suas penas e todo o seu bando em volta para aquecê-la. Quando é verão no hemisfério norte, ela vai para lá; quando o calor de lá acaba, ela e seu bando rumam para o hemisfério sul em busca de outro verão.


Nós, humanos, vivemos em bando como as andorinhas, gostamos do calor, necessitamos da troca de energia que é o contato com as pessoas, e precisamos somar forças com nossos semelhantes para o árduo sistema de vida que levamos. Mas, antes de podermos viver saudavelmente como as andorinhas, precisamos viver o nosso momento de águia também. Sem isso, não sabemos do que somos capazes, não sabemos do que somos feitos, não conhecemos nosso real valor e acabamos por nos espelhar nas outras pessoas, nos confundindo com elas, às vezes por admirar suas qualidades e outras vezes por não conhecer as nossas próprias – passamos muito tempo tentando ser idênticos ao resto do bando sem saber que somos, graças a Deus, irremediavelmente diferentes. Precisamos de um momento de introspecção em que podemos estar nus e desarmados para conhecer nossos limites e tentar superá-los, fortalecendo nossa individualidade e desenvolvendo o amor que devemos nutrir por ela. A lição da águia nos mostra que, quando ao nosso redor a vida está dizendo que algo precisa morrer, devemos nos recolher e aceitar a dor de jogar fora o velho, pois o novo virá fazendo valer a pena e, no decorrer deste processo, descobriremos quem somos e quanta capacidade guardamos dentro de nós.

A maioria das pessoas acaba, diante deste processo, negando-se o momento de renovação, o ”momento águia”, e buscando um bando de andorinhas para se refugiar e encontrar segurança ou um ponto de referência. Mas a vida quer que a gente cresça, quer que a gente se descubra e se renove como ela própria com seus ciclos, então estas pessoas passarão novamente pelo chamado da águia, quantas vezes for preciso até que aceitem o desafio. Enquanto nos perguntarmos “Por que estou passando por isto de novo?” ao invés de encararmos o chamado, passaremos novamente pelo frio do inverno com algumas penas e garras velhas caindo contra nossa vontade, nos sentindo inseguros e agredidos pela vida.

Precisamos aceitar nossa diferença essencial e admirá-la, reconhecendo que é na diferença que está a riqueza, é aquilo em que somos diferentes que nos torna belos e necessários neste mundo. Ao invés de nos escondermos no disfarce de uma falsa igualdade, de uma massificação, estaremos assumindo a diferença e nos destacando no meio da multidão – e é para isso que fomos criados tão diferentes, para que cada um se destaque sendo aquilo que é. E, para sermos quem somos, devemos deixar que morra aquilo que por muito tempo acreditamos que deveríamos ser. Devemos retirar todas as penas velhas que escondiam esta diferença e nos tornavam “iguais” por fora; devemos retirar as garras velhas que recebemos dos outros e deixar que nossas próprias garras sejam a força que nos alimenta e protege; devemos retirar o bico velho que piava com o mesmo som das outras aves e deixar que o novo bico surja e manifeste a nossa verdadeira voz interior. Entre a dor de jogar o velho fora e o prazer de se tornar o novo, existe um momento único em que descobrimos que podemos sobreviver, o momento mágico em que descobrimos a força ilimitada dentro de nós e percebemos que não precisamos realmente ser iguais. Nem sequer dependemos dos outros para nada, mas podemos estar com eles pelo simples prazer da troca; podemos estar com eles simplesmente porque compartilhar é bom e faz parte da natureza humana e dos seus processos de crescimento e desenvolvimento. É neste momento que conquistamos a independência de águia, e através dela podemos compartilhar como a andorinha, sentindo amor por nosso verdadeiro eu e gratidão pelo próximo, em total liberdade.

Com este amor e esta gratidão substituímos sentimentos como raiva, inveja, rejeição, e tantos outros sentimentos pesados que rondam nossas relações enquanto não aprendemos a admirar a diferença essencial entre os seres humanos, começando pela nossa própria. Enquanto não aceitamos o chamado da águia, não usufruímos verdadeiramente dos benefícios da convivência das andorinhas, apenas administramos seus inevitáveis conflitos. Viver como as andorinhas não é simplesmente viver em bando ou viver administrando conflitos, é viver em bando harmoniosamente, é ser capaz de compartilhar o calor interior com todos, unir forças e trabalhar para o bem comum, respeitar e reconhecer o valor individual que cada um tem. Não há guerra entre as andorinhas... Não há disputa por posição, destaque, liderança, status, reconhecimento. Não há inveja, inferioridade ou superioridade, maior ou menor, melhor ou pior; não há alguém que tenha mais ou menos razão que o outro, nem nada que seja necessário provar. Enquanto estivermos sentindo nas nossas relações a influência destas questões pendentes, não podemos viver como as andorinhas. Precisamos atender o chamado da águia primeiro.


Não precisamos esperar que a vida nos obrigue a esta transformação. Não precisamos esperar que as circunstâncias, o sofrimento, o isolamento ou a decepção nos conduzam a esta experiência. Podemos, como a águia, fazer a escolha voluntariamente, indo para nosso ninho interior e, de lá de dentro, ir despindo as penas de tudo o que aprendemos ou escolhemos ser que não nos pertence ou que ficou velho e ultrapassado demais para nosso atual momento; ir retirando as garras que não suprem nossa necessidade de nutrição ou de proteção; retirar aquele bico que não expressa o que nosso coração quer transbordar. Podemos fazer isso espontaneamente, em nosso próprio ritmo, sem que a vida ao nosso redor se torne um caos que nos obriga a reavaliar à força a forma como estamos vivendo. O chamado da águia não precisa necessariamente vir de fora, ele pode vir de dentro. Somos capazes de despertar o espírito de águia no coração da nossa andorinha, nos libertar do velho e nos transformar no novo – em nós mesmos – para viver livres entre as andorinhas.

Abençoados Sejam!

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