“para ser
como a andorinha
que nunca
estará sozinha
ao chamado da
águia atender:
no meu ninho,
renascer”
Depois de adultas, as
águias precisam passar por um processo de renovação assustador e fantástico: No
final do outono, a poucos dias do inverno, elas se recolhem em seus ninhos, no
ponto mais alto do seu território, e voluntariamente “se matam” para nascer de
novo. Primeiro, arrancam todas as penas; depois, as garras; em seguida, batem
com o velho bico numa pedra até que ele caia. E assim, nuas e desarmadas,
passarão pelo frio do inverno inteiro em recolhimento dentro de seus ninhos, se
refazendo, se renovando. Quando chega a primavera, estão “de roupa nova” com a
plumagem toda regenerada, possuem garras novas e mais afiadas para a temporada
de caça, receberam de seu organismo um novo bico brilhante e bonito. Isso exige
mais do que coragem, exige força de vontade e uma fé inabalável em sua
capacidade de sobreviver. E ela faz isso tudo sozinha. É um animal solitário.
Uma andorinha jamais suportaria um processo como este – a andorinha corre o
mundo todo em busca do verão, pois não sobrevive ao frio nem mesmo com todas as
suas penas e todo o seu bando em volta para aquecê-la. Quando é verão no
hemisfério norte, ela vai para lá; quando o calor de lá acaba, ela e seu bando
rumam para o hemisfério sul em busca de outro verão.
Nós, humanos, vivemos em
bando como as andorinhas, gostamos do calor, necessitamos da troca de energia
que é o contato com as pessoas, e precisamos somar forças com nossos
semelhantes para o árduo sistema de vida que levamos. Mas, antes de podermos
viver saudavelmente como as andorinhas, precisamos viver o nosso momento de
águia também. Sem isso, não sabemos do que somos capazes, não sabemos do que
somos feitos, não conhecemos nosso real valor e acabamos por nos espelhar nas
outras pessoas, nos confundindo com elas, às vezes por admirar suas qualidades
e outras vezes por não conhecer as nossas próprias – passamos muito tempo
tentando ser idênticos ao resto do bando sem saber que somos, graças a Deus,
irremediavelmente diferentes. Precisamos de um momento de introspecção em que
podemos estar nus e desarmados para conhecer nossos limites e tentar
superá-los, fortalecendo nossa individualidade e desenvolvendo o amor que devemos
nutrir por ela. A lição da águia nos mostra que, quando ao nosso redor a vida
está dizendo que algo precisa morrer, devemos nos recolher e aceitar a dor de
jogar fora o velho, pois o novo virá fazendo valer a pena e, no decorrer deste
processo, descobriremos quem somos e quanta capacidade guardamos dentro de nós.
A maioria das pessoas
acaba, diante deste processo, negando-se o momento de renovação, o ”momento
águia”, e buscando um bando de andorinhas para se refugiar e encontrar
segurança ou um ponto de referência. Mas a vida quer que a gente cresça, quer
que a gente se descubra e se renove como ela própria com seus ciclos, então
estas pessoas passarão novamente pelo chamado da águia, quantas vezes for
preciso até que aceitem o desafio. Enquanto nos perguntarmos “Por que estou
passando por isto de novo?” ao invés de encararmos o
chamado, passaremos novamente pelo frio do inverno com algumas penas e garras
velhas caindo contra nossa vontade, nos sentindo inseguros e agredidos pela
vida.
Precisamos aceitar nossa
diferença essencial e admirá-la, reconhecendo que é na diferença que está a
riqueza, é aquilo em que somos diferentes que nos torna belos e necessários
neste mundo. Ao invés de nos escondermos no disfarce de uma falsa igualdade, de
uma massificação, estaremos assumindo a diferença e nos destacando no meio da
multidão – e é para isso que fomos criados tão diferentes, para que cada um se
destaque sendo aquilo que é. E, para sermos quem somos, devemos deixar que
morra aquilo que por muito tempo acreditamos que deveríamos ser. Devemos
retirar todas as penas velhas que escondiam esta diferença e nos tornavam
“iguais” por fora; devemos retirar as garras velhas que recebemos dos outros e
deixar que nossas próprias garras sejam a força que nos alimenta e protege;
devemos retirar o bico velho que piava com o mesmo som das outras aves e deixar
que o novo bico surja e manifeste a nossa verdadeira voz interior. Entre a dor
de jogar o velho fora e o prazer de se tornar o novo, existe um momento único
em que descobrimos que podemos sobreviver, o momento mágico em que descobrimos
a força ilimitada dentro de nós e percebemos que não precisamos realmente ser
iguais. Nem sequer dependemos dos outros para nada, mas podemos estar com eles
pelo simples prazer da troca; podemos estar com eles simplesmente porque
compartilhar é bom e faz parte da natureza humana e dos seus processos de
crescimento e desenvolvimento. É neste momento que conquistamos a independência
de águia, e através dela podemos compartilhar como a andorinha, sentindo amor
por nosso verdadeiro eu e gratidão pelo próximo, em total liberdade.
Com este amor e esta
gratidão substituímos sentimentos como raiva, inveja, rejeição, e tantos outros
sentimentos pesados que rondam nossas relações enquanto não aprendemos a admirar
a diferença essencial entre os seres humanos, começando pela nossa própria.
Enquanto não aceitamos o chamado da águia, não usufruímos verdadeiramente dos
benefícios da convivência das andorinhas, apenas administramos seus inevitáveis
conflitos. Viver como as andorinhas não é simplesmente viver em bando ou viver
administrando conflitos, é viver em bando harmoniosamente,
é ser capaz de compartilhar o calor interior com todos, unir forças e trabalhar
para o bem comum, respeitar e reconhecer o valor individual que cada um tem.
Não há guerra entre as andorinhas... Não há disputa por posição, destaque,
liderança, status, reconhecimento. Não há inveja, inferioridade ou
superioridade, maior ou menor, melhor ou pior; não há alguém que tenha mais ou
menos razão que o outro, nem nada que seja necessário provar. Enquanto
estivermos sentindo nas nossas relações a influência destas questões pendentes,
não podemos viver como as andorinhas. Precisamos atender o chamado da águia
primeiro.
Não precisamos esperar que
a vida nos obrigue a esta transformação. Não precisamos esperar que as
circunstâncias, o sofrimento, o isolamento ou a decepção nos conduzam a esta
experiência. Podemos, como a águia, fazer a escolha voluntariamente, indo para
nosso ninho interior e, de lá de dentro, ir despindo as penas de tudo o que
aprendemos ou escolhemos ser que não nos pertence ou que ficou velho e
ultrapassado demais para nosso atual momento; ir retirando as garras que não
suprem nossa necessidade de nutrição ou de proteção; retirar aquele bico que
não expressa o que nosso coração quer transbordar. Podemos fazer isso
espontaneamente, em nosso próprio ritmo, sem que a vida ao nosso redor se torne
um caos que nos obriga a reavaliar à força a forma como estamos vivendo. O
chamado da águia não precisa necessariamente vir de fora, ele pode vir de
dentro. Somos capazes de despertar o espírito de águia no coração da nossa
andorinha, nos libertar do velho e nos transformar no novo – em nós mesmos –
para viver livres entre as andorinhas.
Abençoados Sejam!
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