É isso mesmo. Sentimentos como raiva, revolta, indignação,
são poderosos e têm um grande potencial transformador. E sim, BENÉFICO!
Vivemos numa cultura que aplaude a atitude da ovelha e
repudia a atitude do leão, e por isso condenamos nossas emoções e as escondemos
ou reprimimos, ao invés de aprender a lidar com elas. Essa é uma fórmula de
autoboicote também. O “X” da questão não é o sentimento, mas o que fazemos com
ele. E, como não aprendemos jamais o que fazer com os sentimentos “feios”,
geralmente fazemos grandes burradas, pois, seja
escondendo, reprimindo ou extravasando, estamos sujeitos ao
seu domínio e não somos capazes de direcioná-lo.
Um bom exemplo disso são os monges tibetanos, que temos como
exemplos de serenidade, mas que são tão humanos quanto nós. Eles não chegam
iluminados aos seus monastérios, com “altas patentes” de sabedoria. Eles
começam exatamente aprendendo, desde o mais baixo patamar, a lidar consigo
mesmo, com seus sentimentos, e a direcionar-se, a desenvolver a lucidez que um
dia lhes trará a iluminação. E um belo dia, lá está o aspirante a monge
terminando de lavar com uma escova os dez quilômetros de chão do templo, quando
chega o bam-bam-bam monástico, olha para sua expressão de cansaço diante daquele
salão todo limpo e escovado, e lhe diz que ele é um incompetente, que não serve
nem para lavar o chão, e que jamais conseguirá alçar as grandes
responsabilidades de um mestre. É claro que ele fica com raiva, com a mesma
raiva que todo ser humano sente ao ser subestimado e ao ver seu esforço ser
tripudiado. E isso se repetirá algumas ou muitas vezes. Mas ele não pode mandar
o mestre tomar naquele lugar, nem lhe dar um soco no nariz, nem se vingar dele.
Ele terá de aprender o que fazer com sua raiva para dar o troco naquela
situação sem agredir seu mestre. E sentirá essa raiva até transformá-la na
força motivadora que ele precisa para sua superação até que, um belo dia, dando
o melhor de si para aquilo que está fazendo e jogando toda a sua raiva no
escovão com que esfrega impecavelmente o chão, ele verá o mestre chegar ao
salão e observar não um semblante de cansaço, mas um semblante de contemplação
e de satisfação pelo resultado do esforço que fez. E, então, ele ouvirá do
mestre “Eu estava enganado, talvez você sirva para limpar o chão”. Mas neste
momento, ele já saberá que sua raiva deve ser usada contra suas limitações e as
limitações do cotidiano... E isso o conduzirá ao próximo patamar.
Tem certos momentos em que saber direcionar a raiva, a
agressividade, a revolta, pode ser um fator decisivo na determinação de como
será o resto da nossa vida. Tem certos momentos em que a atitude de conformismo
e passividade da ovelha é um golpe mortal na nossa integridade e no nosso
caminho. Não existem sentimentos “maus”, existem más escolhas sobre o que fazer
com eles, que podem causar prejuízos aos outros, ao nosso meio e a nós mesmos,
mas elas são feitas por nos recusarmos a manejá-los, por não desejarmos nos
familiarizar com seus mecanismos e, consequentemente, sermos dominados por eles
ao invés de direcioná-los. Sábios monges tibetanos...
Abençoados Sejam!
Corvo negro
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