quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

O DIA SEGUINTE

A gente sempre sente algo diferente em Dezembro. Vem uma sensação de que tudo está prestes a mudar, uma vontade de ver tudo diferente do que já foi, uma esperança de que algo novo vai acontecer, que chega ao ápice no otimismo da noite da virada de ano, como se os fogos de artifício fossem gatilhos sendo disparados em nossa vida. Mas olhando friamente, é só mais um espaço de tempo como todos os outros. E Dezembro passa. E chega o dia 1 de Janeiro. E ele é como todos os outros dias. Voltamos à rotina e continuamos como se nada tivesse acontecido, pois não aconteceu. Não passou um cometa mágico que varresse todos os dilemas e transtornos, não amanhecemos numa outra vida. Porque, de fato, do lado de fora nada muda mesmo. O Sol vai nascer e se pôr no mesmo lugar. E, no final das contas, todas aquelas coisas maravilhosas que passaram por dentro da gente terão sido apenas uma ilusão momentânea, terão sido desperdiçadas pelo retorno automático à vida mecânica, e nossas esperanças se frustrarão num alvo vazio.

Mas a gente também pode olhar pra isso com outros olhos. Olhar para essa coisa que paira no ar no final do ano como uma mola propulsora para algo, como um tempo de preparação para um momento importante, encarando a mudança de ano como um rito de passagem dos nossos tempos. Aí é que a mágica realmente acontece: Quando a gente se dispõe a determinar que aquele momento será de fato um marco na nossa vida e a encarar o que vem depois como um livro em branco, pronto para ser escrito com uma história nova. E, como escritores, inventar um enredo novo, um personagem novo, um desfecho novo que não tenha nada a ver com o livro anterior, dá-lo por encerrado e abrir novas possibilidades. Como nos ritos de passagem dos tempos antigos, fazer um novo acordo consigo mesmo diante da vida, estabelecer novos compromissos, e levar à sério o momento do rito de passagem como um divisor de águas, em que uma criança se torna adulto e abandona definitivamente sua postura antiga para abraçar um outro patamar de atitude.

O grande presente da mudança de ano é celebrar esse rito de passagem sem esperar que o divisor de águas venha de fora, da folha do calendário ou de alguma força misteriosa que mova as coisas de fora para dentro; é aceitar que esse momento se tornará um rito de passagem e um divisor de águas diante da nossa decisão de fazer com que ele seja isso. Já viraram ma espécie de piada da nossa cultura as “promessas de fim de ano” que nunca se cumprem. É quando elas não se cumprem que as coisas continuam iguais, que a mesma história é recontada por mais um ano, que nossas esperanças se frustram diante da repetição. Não levamos mais à sério os ritos de passagem, não fazemos mais compromissos conosco diante da vida e das pessoas que são importantes para nós, não abandonamos mais o velho para abraçar o novo, não damos mais valor aos momentos que podem ser grandes marcos na nossa história.

Mas por quê? Será que nos condicionamos e nos acostumamos com a repetição a ponto de não querer realmente as mudanças da vida? Será que nos basta apenas um mês de otimismo e ilusão para sustentar a mesma história e os velhos compromissos por mais um ano?

Não sei. O que eu sei é que, quando desejo um feliz ano novo, estou desejando que ele seja novo, que ele seja um rito de passagem, que ele seja um divisor de águas, e que haja um compromisso em levar à sério os acordos consigo mesmo. É o que desejo para mim, é o que desejo para todos. Que tenhamos suficiente importância em nosso próprio contexto para fazer valer a palavra dada a nós mesmos no final do ano. Nada pode ser mais transformador do que isso.


Abençoados sejam! Um feliz ano novo!
Corvo Negro

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