Pois
é, neste universo tão sincrônico, existem algumas coisas aparentemente tão
desalinhadas que não é possível compreender num primeiro olhar. A gente cresce
ouvindo as histórias dos contos de fadas e, inconscientemente, acaba esperando um
final feliz para todas as situações. E nem sempre é assim. Aliás, a verdadeira
forma do tal “final feliz” nos é desconhecida, posto que acabamos acreditando
que um final feliz é aquele em que todos ficam satisfeitos de imediato – menos,
é claro, os vilões da história. Mas a vida é mais criativa do que as histórias
dos contos de fadas e seus autores, e ela também não acaba no desfecho de um
conflito ou dilema, muito menos com um “e viveram felizes para sempre”, pois
muitas outras histórias ainda serão escritas e muitos outros enredos ainda se
desenrolarão com os mesmos personagens.
Muitas
vezes, um capítulo não acaba com o “e viveram felizes para sempre” coroando
mocinhos e punindo vilões, com uma grande confraternização. A vida real não é
feita de mocinhos e vilões, de bem e mal. Ela é uma toalha de crochê tecida com
estes dois fios entrelaçados, que só chega ao final depois de muitas e muitas
voltas e nós. Muitas vezes, na vida real, por se tentar fazer o que é certo não
se consegue o resultado que é justo; por se tentar seguir o que é justo não
fazemos o que é certo; vivemos simplesmente a história possível, o desfecho
aparente de um enredo que continua a ser tramado mesmo que não estejamos vendo.
A vida não visa premiar e punir, ela só quer movimentar, ela só deseja fermentar
e crescer para transformar. É por isso que muitas vezes o bandido parece ganhar
e o mocinho parece perder – mas a verdade é que a história não acaba com o fim
de um capítulo, e cada um dos dois é um livro em si mesmo e ambos jamais leram
um ao outro, e que a reunião de ambos é um mero capítulo chamado “oportunidade”,
mas ao final deste capítulo os dois livros prosseguem com suas histórias.
Algumas vezes apostando no que parece certo, algumas vezes deixando escapar o
que parece justo, algumas vezes tendo que aceitar que o desfecho possível para
aquele momento não é o desfecho definitivo: a vida continua. Ela vai nos dando
fios de oportunidade e entrelaçando nossas escolhas dentro de um desenho que
nos é totalmente desconhecido.
A
gente muitas vezes se revolta com essa equação matemática misteriosa que a vida
aplica para determinar se um capítulo terá o desfecho certo, o resultado justo
ou a conclusão possível. Nós não conhecemos o livro todo ainda, não sabemos
ainda quantas voltas e nós a toalha de crochê precisa dar, e não lemos o livro individual
de todos os personagens envolvidos na trama. Mas o fato é que, quer os
capítulos que nos afligem caminhem para o que é certo, para o que é justo ou
para o que é possível, a toalha de crochê da nossa história pessoal e da nossa
história coletiva resulta num trabalho impecável, e somente quem segura a
agulha para tecê-la é capaz de ter a visão panorâmica do contexto geral em que
todos os livros se encaixam, em que todos os desfechos dão origem a novas
histórias, e saber, de antemão, em que forma resultará o trabalho ao ser
concluído, pois independentemente de haverem mocinhos e bandidos do nosso ponto
de vista parcial, a mão que tece enxerga a todos e a cada um sob o aspecto de sua
real integridade. Nem sempre o que é certo é justo, nem sempre o que é justo é
certo, nem sempre o certo e o justo são possíveis dentro da trama – eles poderiam
deformá-la e fazer com que o desenho fugisse da perfeição original. Isso é tudo
o que sabemos sobre todas as histórias que vivemos.
Abençoados
sejam!
Corvo
Negro
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